De um modo geral, as histórias em quadrinho costumam acompanhar a vida das pessoas desde a infância. De modo que suas características básicas estão de algum modo arraigadas na nossa mente. Ainda assim, muita gente simplesmente “trava” diante de uma possibilidade de para fazer quadrinhos, seja numa brincadeira criativa sem compromisso ou para realizar alguma atividade criativa na escola, entre outras possibilidades. Seja um cartum de quadro único, uma tira ou uma história longa.
Não se preocupe tanto com isso a ponto de ficar sem ação:
você verá que os princípios básicos para a produção de uma HQ são
simples (claro que fazer isso com qualidade profissional e sair por aí a
ganhar dinheiro com suas histórias em quadrinhos vai exigir esforço,
tempo e dedicação, mas isso é uma outra história).
Resolvi então listar estes elementos básicos, que estão presentes
de uma forma ou de outra em qualquer gênero de HQ, seja um infantil,
adulta, graphic novel, mangá… Num esquema profissional, o trabalho de
pensar cada detalhe pode ser dividido por uma equipe (desenhista,
roteirista, letrista…), mas a ideia aqui é apresentar para que qualquer
pessoa, criança, jovem, ou adulto possa arriscar seus passos nos
quadrinhos por meio destas dicas fundamentais.
Vamos lá?
REQUADRO
As HQs são conhecidas exatamente por esta marcante
característica básica: este conjunto de linhas que delimitam o espaço de
cada cena e constituem o quadrinho, esta moldura mais conhecida como requadro entre os profissionais da área.
Em algumas histórias, tais linhas podem ganhar formatos
diferentes, chegam a ser circulares, trêmulas… Um formato mais anguloso
ajuda na narrativa visual e deixa a leitura mais dinâmica, por exemplo.
Até existem casos nas quais as linhas são existem efetivamente, o autor
deixa ao leitor a tarefa de imaginá-las. É uma opção estética para a
obra, implica em outros questionamentos, mas como estou a tratar do
básico, então fiquemos com o requadro.
CALHA
Talvez nunca tenha parado pra pensar, mas em geral existe um vão entre um quadrinho e outro. É o que chamamos de calha. Ela pode ajudar a delimitar o tempo: mais larga, indica mais tempo entre um quadro e outro; se é mais curta indica uma ação mais rápida e contínua
BALÃO E RECORDATÓRIO
Tão amplamente conhecido como o requadro são os balões, esta figura que simboliza o ato da fala dos personagens, abrigando o texto da conversa. Os balões também podem ser desenhado de forma diferente, acumulando funções na HQ: linhas mais quadradas podem significa voz eletrônica, mais rabiscadas indicam de grito ou voz alta, aquelas que lembram nuvenzinhas constituem balões de pensamento e por aí vai…
Note que o balão tem um “rabicho”, de forma a apontar para um personagem para indicar precisamente ao leitor quem está falando, ou pensando.
Já o recordatório é um painel sem rabicho, usado normalmente
pelo narrador para tratar de algo não visível no quadrinho. Em algumas
histórias também é usado para apresentar pensamentos dos personagens (se
o balão “nuvenzinha” representar uma quebra na harmonia da arte, por
exemplo, como em HQs mais adultas).
Um parênteses: O uso de representação da fala é tão marcante para
os quadrinhos que sua utilização pelo cartunista norte-americano Richard
Outcault na série At the Circus in Hogan’s Alley, criada em 1895, é
considedo como marco da criação dos quadrinhos. Embora não usasse
balões, o personagem principal, Yellow Kid,
o Garoto Amarelo, apresentava suas falas por meio de texto inserido em
sua vestimenta. Claro que representação de histórias por meio de
desenhos existem desde o tempo das cavernas – e mesmo aqui no Brasil
tivemos um dos precursores das HQs, o italiano Angelo Agostini, que lançou seu Nhô Quim em 1869 na imprensa nacional – mas isso é conversa pra outra hora…
ONOMATOPEIA
Assim como o balão indica o som da fala, a onomatopeia é uma representação de um som ambiente, que for importante para o desenrolar da história.
Como não tem o rabicho, é desenhada bem próxima ao
emissor do som. Assim, “TOC, TOC” indica o som de duas batidas na
madeira, “CABRUM” uma explosão, “PLOFT” uma coisa caindo no chão e por
aí vai. Normalmente vem acompanhada de algum incremento gráfico às
letras, como nos exemplos acima.
DESENHO/ IMAGEM
DESENHO/ IMAGEM
É a desculpa clássica pra alguém se recusar a tentar fazer uma história em quadrinhos: “Não sei desenhar”. O que, em geral, não é bem verdade: estamos acostumados a rabiscar desde a infância embora a maioria pare de evoluir seu desenho depois de alguns anos. Mas ainda assim sabem tentar reproduzir o que vêem ou imaginam graficamente, nem que seja por esquemas e “homens palitinho”. Volta e meia, quando alguém não consegue se expressar com palavras pedem: “Desenha aí!”, não é verdade? Sem contar, que é possível produzir quadrinhos usando fotos ao invés de desenhos, ou mesmo colagens…
As Cobras, por Luís Fernando Veríssimo |
Claro que, se o objetivo é uma qualidade profissional, você
terá que treinar bastante, seja sozinho ou por meio de cursos
específicos de quadrinhos. Mas aqui estou me atendo ao básico, a
existência do desenho/imagem é fundamental, mas a sua qualidade estética
é discutível (não é por que o desenho não parece uma foto que a HQ é
ruim, vide o escritor Luís Fernando Veríssimo e sua genial tira das
Cobras). Essa suposta qualidade do traço importa menos que o item a seguir, por exemplo.
NARRATIVA VISUAL
Você, como leitor de quadrinhos, usufrui disso, talvez sem saber. Há certas regras a serem seguidos na escrita, certo? Para que o processo de leitura de uma HQ aconteça naturalmente, também existem padrões a seguir na construção da
É básico, por exemplo: nós ocidentais escrevemos da esquerda
para a direita, de cima para baixo. A diagramação dos quadrinhos e da
arte nele contidos devem levar isso em conta, do contrário dá um nó na
cabeça do leitor, que não sabe bem a ordem de “leitura” tanto do texto
quanto das imagens. Em geral as pessoas sabem posicionar bem os
quadrinhos, mas se esquecem do conteúdo de cada um. Por exemplo, se há
dois personagens em cena. Em geral, quem fala primeiro deve ficar mais à
esquerda, assim como seu balão. Se duas pessoas estão conversando,
tente posicioná-las como seria na vida real, é só observar: elas
procuram se olhar na maior parte do tempo. E se alguém aponta pra uma
direção, a outra pessoa da cena acaba por olhar pra lá e não mais pro
interlocutor. E por aí vai.
Há muitas outras situações que podem ser melhor resolvidas no
desenho por meio de um bom estudo de narrativa visual. Claro que isso
demanda certa “cultura visual”, aprender a observar estes pequenos
detalhes, realizar estudo específico. Mas se você conseguir ao menos
cumprir o básico tá ótimo: a arte deve seguir o sentido tradicional de
leitura. Se não, fica esquisito, como é, por exemplo, ler um mangá com
texto traduzido, mas com a arte mantendo o padrão oriental (que não só
lê da direita para a esquerda, mas escreve em vertical de cima para
baixo, não horizontal como nós), como comentei neste arquivo na Rede RPG.
Me agrada mais os mangás com arte invertida para leitura da esquerda
para a direita (como num espelho): cria algumas situações estranhas, com
personagens destros virando canhotos, mas é um preço a se pagar por uma
melhor narrativa visual.
E é isso. Tendo em vista estes itens que tratei acima, só
pensar numa história que mereça ser contada e mãos à obra. Comece com
ideias de um quadrinho só e vá aumentando… Deixa aqui um comentário com
sua experiência depois.
E então? Está preparado para se arriscar a criar suas próprias histórias em quadrinhos?
Não deixe de visitar este outro post do blog, no qual dou dicas básicas também para criação roteiro.
Confira também:
- O que aprendi sobre quadrinhos (e a vida) com Lourenço Mutarelli (com dicas para sua produção de HQs e uma lição de vida)
- Como fazer HQs e tirinhas utilizando softwares gratuitos
- Como obter dinheiro para produzir seus quadrinhos
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