Voltar ao Multiverso DC era pra ser uma das coisas mais sensacionais da história, mas o roteirista acaba se perdendo nessa primeira edição
Começou. Depois de anos e anos de promessas e espera, finalmente saiu nos EUA na última quarta-feira (20) Multiversity #1 (DC Comics, 41 páginas, US$ 4,99), especial que marca o início da saga de mesmo nome. A ideia é visitar inúmeras realidades alternativas da editora, mas o que se viu neste começo foi o roteirista Grant Morrison se perder em um pastiche do Universo Marvel, indo contra aquele que deveria ser o motivo principal da série.
O nome, “Multiversidade”, tem um sentido, claro: abordar a grande herança da DC, essas múltiplas realidades alternativas, essa diversidade de ideias e conceitos vindos do passado. Lembro como se fosse ontem a primeira vez que li Crise nas Infinitas Terras e fui apresentado a tudo isso. A grande saga dos anos 80 estava sendo republicada no Brasil pela Editora Abril como parte dos preparativos para outra saga, Zero Hora. Em pouco tempo conheci (e fiquei maravilhado!) por aquele rico passado do Multiverso DC – que não era único, mas sim formados por inúmeras Terras, inúmeras versões dos mesmos heróis ou por versões totalmente novas, diferentes, coloridas e até bizarras. Mas aí, em três edições (ou em 12 partes, pra quem leu a saga ainda em 1985), tudo aquilo morreu.
Veja bem, eu tinha 11 anos, mas entendi perfeitamente os motivos da DC matar aquela sua herança vinda desde a Era de Prata: aumentar as vendas. Não era fácil para um leitor novato pegar um gibi, começar a ler e entender que “hey, esse Superman tá velho, mas não é o ~verdadeiro. Ok, o Batman morreu, mas não é o ~principal. Cara, Caçadora, mas ela só existe numa Terra Paralela criada a partir dos Heróis da Era de Ouro. MEU, que doido esse Batman com uma origem diferente, mas, hey, era brincadeira, outro planeta”. Depois, quando entrei de cabeça nas histórias dos anos 60, 70 e até dos 80, percebi que os roteiristas não se seguravam, visitando, revisitando e criando mundos alternativos toda vez que queriam pensar fora da caixa sem estragar a cronologia dos heróis da DC. Era um samba do crioulo doido que precisou morrer para a vida seguir em frente e os leitores conseguirem entender o que estava no gibi. Por muitos anos, a DC então esqueceu esse passado. No entanto, mais recentemente, a editora reintroduziu o Multiverso, agora limitado a 52 Terras.
Só que não é a mesma coisa e sinto falta daquela energia – e não sou apenas eu. Morrison, devoto de diversos conceitos do passado, foi lá resgatar uma parte disso, desses vários universos, na saga Multiversity. Ele, por exemplo, já avisou que irá revisitar uma HQ de 1974, chamada “If Bruce Wayne Had not Become the Batman”, dentro do contexto da saga, além da Terra do Capitão Marvel original e dos heróis da Charlton (como Questão e Besouro Azul), entre outras. Tudo clássico.
Colocar o “Universo Marvel” como a origem dos problemas é também uma crítica ao que faz a Casa das Ideias – na qual ele já trabalhou. Será talvez uma condenação (bastante rasa, aliás) ao que a editora faz hoje, ganhando presença de mercado e constantemente pressionando a Distinta Concorrência a fazer reboots ou repensar sua cronologia? Ou é uma critica aos anos 80, quando um ainda (quase) coeso Universo Marvel escancarava de forma mais clara a confusão que era o Multiverso DC?
Não sei qual é a resposta (nem se essas são as perguntas certas), mas é pobre olhar pra grama do vizinho quando a sua pode ser bem mais interessante. É triste perceber isso.
Há também outros problemas na HQ, esses típicos de Grant Morrison: cortes abruptos do tempo e no espaço entre um quadro e outro, além da tentativa de colocar muita informação em poucas páginas. Isso tudo faz com que Multiversity #1 tenha que ser lido duas ou três vezes para fazer sentido. Não, não é uma leitura simples.
Falamos dos erros, mas há também acertos. Morrison manda bem ao retomar aquele universo do Superman negro e presidente dos EUA, criado por ele mesmo (e inspirado no Barack Obama) quando trabalhou no reboot do Homem de Aço. Também ficamos cara a cara com o Capitão Cenoura, um herói criado no começo dos anos 80 e que é um coelho que protege uma Terra com seres antropomórficos. Outros heróis alternativos ou do passado da editora, como Bloodwynd, surgem de relance. Até os Monitores, seres importantes da época da Crise original e que foram repensados pelo próprio Morrison recentemente, aparecem. Na verdade, é apenas UM Monitor: Nix Uotan, o último da raça e que tem grande importância na história que está sendo contada..
Outra ideia acertada é a adaptação de um antigo conceito da Era de Bronze, que é o que dá a noção metalinguística para Multiversity. Na época do Multiverso original existia a Terra-Prime, aquela na qual os super-heróis existiam apenas como personagens de gibis – muito parecida com a nossa. No novo conceito do Morrison, cada universo existe em todos os outros como uma ficção das HQs. O roteirista até brinca com isso, colocando Multiversity #1 como uma “revista amaldiçoada” dentro da própria Multiversity #1 real.
Temos também o ótimo traço do brasileiro Ivan Reis para melhorar o resultado final da edição, acompanhada pela arte-final do também brasileiro Joe Prado e as cores de Nei Ruffino. A arte fica com esse aspecto moderno, mas com um pé no estilo clássico das antigas HQs da DC.
A história de Multiversity continuará em mais seis especiais nos próximos meses, cada um com um título e equipe de arte diferentes: The Society of Super-Heroes: Conquerors of the Counter-World, The Just, Pax Americana, Thunderworld, Mastermen e Ultraa Comics. Pelas sinopses, fica desde já a promessa de ser uma verdadeira viagem pela diversidade do Multiverso DC. Ainda bem.
Via JUDÃO
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