Não existe apenas um, mas diversos motivos que justificam o icônico (e agora abandonado) visual do Homem de Aço
Esta semana surgiu a primeira imagem (acima) do Homem de Aço no set de Batman v. Superman: Dawn of Justice. Não que aquilo fosse exatamente novidade – já tinha sido liberada uma imagem de divulgação do Azulão no filme e o uniforme não tem tantas mudanças em relação ao filme anterior – mas um “mimimi” voltou. E esse mimimi atende pelo nome de “cueca por cima da calça”.
Porque, né, o espírito humano nunca está contente. Por décadas e décadas reclamaram doSuperman usar aquele cuecão vermelho por cima da calça azul. Quando ele finalmente não tem mais, reclamam que “poderia ficar melhor se tivesse a bendita cueca”.
ENFIM, essa discussão aí nunca vai acabar, mas acaba levantando outra bola: por que DIABOS o Supinho usou por mais de 70 anos aquela cuequinha ridícula? BOM, digamos que não há apenas uma resposta, mas várias – e todas elas fazem sentido quando analisamos o contexto histórico. Aliás, o Superman nem foi o único a usar esse tipo de recurso estético, caro leitor.
Surge a super-cueca
Como você sabe, o Superman foi o primeiro super-herói da cultura pop. Se hoje esses heróis são “supers”, é por causa do nome dele. Dessa forma, quando Jerry Siegel e Joe Shuster criaram o personagem, eles estavam pisando em uma terra totalmente nova e firmando novos conceitos. Alguns funcionaram (como o uniforme colorido, o logo no peito, a identidade secreta). Outros nem tanto (como a cueca e os óculos para “ocultar” a identidade civil). O importante é que tudo isso, de uma forma ou de outra, se tornou parte da mitologia do super-herói.
No caso específico da cueca, precisamos entender que era muito mais complicado imprimir uma revista em quadrinhos em 1938. O mundo vivia ainda os efeitos da Crise de 29, as revistinhas tinham que ser baratas e o sistema de impressão era bem precário. Tudo era basicamente nas quatro cores (ciano, magenta, amarelo e preto) e, muitas vezes, o que você desenhava não era exatamente o que acabava impresso. Por isso, na época (e por muito tempo), HQs tinham poucas cores e poucas texturas. Era tudo na base daquela cor chapada. Movimentos, profundidade e coisas do tipo eram demonstrados a partir de pontinhos, do contraste e das hachuras.
Quando Shuster fez os primeiros esboços do Superman, deu a ele aquele visual quase que inteiro azul, entre outros motivos, pra facilitar na impressão. Porém, um ser todo azul não daria aquela impressão de “cara, como ele é grande” no papel – ficaria um homem atarracado, digamos assim. Pra piorar, em quadros pequenos ou quando o Homem de Aço estava pequeno em uma página, a impressão que ficaria é que pernas, quadril e tronco eram a mesma coisa.
Tem mais. Superman é um homem e, digamos assim, ele tem ALGO no meio das pernas, algo que seria marcado pela roupa colada. Estamos falando da sociedade de 1938 e se Shuster deixasse bem claro os contornos do SUPINHO DO SUPINHO, causaria uma reação negativa. Como lidar com isso, então?
Artisticamente, os quadrinistas da época (e das décadas seguintes) deixavam o quadril bem marcado com seus traços. Fazer isso, então, era natural para Shuster. Ele poderia ter deixado tudo azul e “tá bom”, mas ainda assim ficaria aquela ilusão de ótica de que o Superman era baixo. Era preciso separar ainda mais o tronco das pernas, além de criar algum artifício que fizesse sentido para ignorar o volume natural que tem no meio das pernas.
Estamos falando de 1938. Não existia TV, o cinema era ainda um garoto espinhento e revistas e gibis eram algo novo, história que Siegel e Shuster estavam ajudando a construir. Assim, uma grande influência na época era o circo – algo que vinha desde o século anterior e com toda a certeza dominou a mente dos dois quadrinistas quando eram mais novos. Nesses circos eram comuns os “Strong men”, os “homens fortes” que podiam fazer qualquer coisa, como levantar peso e resistir a balas – sim, eles foram uma influência para o Superman, ao lado dos seres mitológicos como Hércules.
Como você pode ver, eles usavam essas tanguinhas e roupa colada, que, de certa forma, viraram uma forma de também representar a força. Usar isso num personagem dos gibis deveria ser bem óbvio naqueles tempos, até porque o Fantasma, criado em 1936 por Lee Falk (e que só não foi o primeiro super-herói por não tem superpoderes, mas já era um vigilante mascarado), tinha o mesmo artifício, só que executado de outra forma.
O visual do Homem de Aço teve algumas variações iniciais, mas meio que se consolidou no começo dos anos 40 e a cueca ficou lá, como parte do look. Com o tempo, se tornou parte importante da mitologia do herói, mas ele não foi o único a utilizá-la. Pra dizer a verdade, quase todos os personagens daqueles tempos tinham a sua cuequinha.
O tempo passa, o tempo voa
Com o tempo o circo entrou em decadência, cresceu a importância do cinema e surgiu a TV. Os homens fortes ficaram no passado, assim como a suas cuecas. Dessa forma, quando tivemos a explosão da Marvel nos anos 60, Jack Kirby não tinha mais as cuequinhas como referência. Ainda assim, gibis eram uma diversão barata e com impressão porca, fazendo com que fossem necessários diversos cuidados iguais aos do passado. Kirby (e tantos outros) não faziam as cuecas explicitamente, mas elas estavam lá, eram parte do estilo de desenho.
No caso do Superman, não havia motivos para mudanças. Ele era o primeiro naquilo, tinha um visual amplamente conhecido e a cueca (junto com o cinto) ainda era importante tecnicamente. Isso continuou e, com o tempo passando e aquele visual ficando cada vez mais anacrônico, as piadinhas foram aumentando.
Nos anos 90, com o aumento do preço dos gibis, mais cores e a melhora das impressões, as limitações estéticas ficaram no passado. A DC chegou a fazer alguns visuais pontuais sem a cueca (como o uniforme negro de O Retorno do Superman, ou ainda o visual usado em Superman vs. Apocalypse). Em 1996, a editora deu novos poderes para o herói e um visual todo azul e branco, sem vermelho – e sem cueca, com uma nova forma de separar o corpo.
Não deu certo. O Azulão voltou a usar o uniforme original pouco depois, incluindo a cueca. Foi só mais recentemente, no reboot de 2011, que a DC finalmente introduziu um visual moderno que ficou para o herói. Criado por Jim Lee, o uniforme lembra mais uma armadura e, no final do tronco, tem um cinto vermelho para fazer a separação do quadril – sim, é por isso que um herói usa cinto, por mais que ele não precise disso pra segurar a calça colada. O resto do visual é composto por traços, texturas e diversos tons de azul.
Como você pode perceber, a cuequinha eventualmente aparece, mas é mais parte do traço e, com tantos detalhes, passa despercebida.
E na tela grande?
Quando foram criar o visual visto nos cinemas, os primeiros filmes e série de TV mantiveram a cueca vermelha simplesmente porque aquele era o visual das HQs. Isso sem falar que era uma forma de disfarçar o tal do volume ali no meio das pernas. Porém, quando foram gravar o filme O Homem de Aço, a Warner e o diretor Zack Snyder resolveram acompanhar os gibis e abandonar a cueca.
O principal problema desse visual, aliás, é uma daquelas coisas que assombraram Joe Shuster no passado: a separação do corpo. Não há nada com COR que faça isso, apenas o cinto. O Supinho acaba dando a impressão de ser mais atarracado, por mais que o ator Henry Cavill tenha 1,85 m de altura. Isso explica, em parte, porque as pessoas continuam estranhando o uniforme. Não é exatamente a falta da cueca, mas a impressão geral criada.
Se você reparar bem, o uniforme do Azulão em O Homem de Aço tinha um cinto com “fivela” redonda pra fazer isso. Numa provável tentativa de melhorar essa parte, deram uma fivela quadrada para ele em Batman v. Superman.
Por fim, é bom lembrar que um outro grande herói (entre outros tantos) da DC também usou a sua cueca por cima da calça por décadas e décadas – as pessoas só não comentavam, mas tava lá. Era o Batman. ;)
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