Empresa chegou a ser uma das mais importantes do cinema brasileiro e dominou 80% do mercado de dublagem no país
As plantas já cresceram a ponto de cobrirem parte do terreno e toda a fachada. Insetos e morcegos ocupam corredores sombrios. Um cheiro de material incendiado toma conta do ar. O silêncio é quebrado em ritmo aleatório pelo som distante dos carros e das telhas que estalam no que restou do telhado fragilizado
O imóvel que ocupa o número 1.331 da Rua Conde de Bonfim, na Usina, em nada lembra os dias de atividade da Herbert Richers, estúdio que foi um dos principais da chanchada — gênero que dominou a cinematografia nacional nas décadas de 1940 e 1950 — e que chegou a dominar 80% do mercado de dublagem no Brasil.
A atividade, a qual Herbert Richers passou a se dedicar, no fim da década de 1950, foi sugestão do amigo Walt Disney, o midas da animação americana. Na quinta-feira, quando alunos do curso de Cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF) estiveram no local para levar o que restou do acervo da empresa, uma voz importante da história do cinema e da dublagem brasileira se silenciou.
Silêncio que ganhou materialização nas bancadas que, durante mais de 40 anos, foram usadas por atores que emprestaram as vozes a personagens que capturaram a imaginação dos fãs — hoje, assim como o restante do edifício, elas estão destruídas por infiltrações, mofo e por parte do teto que veio abaixo, durante um incêndio que quase destruiu as instalações em 2012.
O imóvel que abrigava o estúdio — abandonado desde 2009, quando seu fundador morreu — foi comprado pela Sukyo Mahikari, uma instituição religiosa japonesa, cujas raízes são comuns à Igreja Messiânica. Ao encontrar o imenso acervo que ainda permanecia no edifício, uma das representantes da igreja entrou em contato com a UFF para que o material ganhasse um destino apropriado.
Milhares de negativos, películas, fitas e registros de ex-empregados foram transportados de caminhão para a Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM), onde passarão por um extenso processo de análise e catalogação, trabalho que não deverá levar menos de um ano. “Já o mobiliário será levado para a universidade”, explicou Fabián Núñez, professor da cadeira de Conservação e que coordenou a ação dos estudantes no resgate do material.
“Boa parte das pessoas associa a Herbert Richers apenas à dublagem. Mas, nos anos iniciais de funcionamento, a firma foi um dos principais estúdios de cinema do Brasil. Teve um papel fundamental na consolidação da chanchada e dos cinejornais. Acredito que hoje encerramos um capítulo da história do cinema brasileiro”, avaliou o conservador-chefe da Cinemateca do MAM, Hernani Heffner.
Nome do empresário virou marca associada à dublagem
A expressão ‘Versão brasileira, Herbert Richers’ se tornou tão popular que associou de forma permanente o estúdio à dublagem. Por isso, é difícil imaginar que alguém sinta mais o fim da casa que os dubladores.
“É lamentável. Passei 14 anos da minha vida ali. Era um lugar que te dava segurança profissional. Uma pena acabar dessa maneira”, lamentou Garcia Júnior, cuja voz se tornou popular ao dublar o desenho He-Man e o ator Arnold Schwarzenegger.
“Moro na Barra e passo em frente ao prédio quando vou ao Centro. Sempre fico triste ao ver um lugar onde vivi tantas experiências importantes abandonado daquela maneira”, diz Nizo Neto, dono da voz do Presto de ‘A Caverna do Dragão’.
“É muito ruim ver que os herdeiros não conseguiram levar o legado do Herbert à frente”, finaliza Isaac Bardavid, conhecido pelas vozes do Esqueleto e do Wolverine.
Decadência teve início em 2003 com flexibilização de lei trabalhista
A morte lenta da Herbert Richers começou em 2003, quando, por meio de um acordo trabalhista, os dubladores passaram a poder gravar em outros estúdios, sem vínculo empregatício. A partir dali, várias outras empresas de dublagem — algumas abertas por ex-funcionários da HR — começaram a surgir no mercado, oferecendo serviços a preços bem mais baixos. O lucro do estúdio começou a cair em razão inversa aos gastos para manter a folha de pagamento dos cerca de 300 funcionários, todos com carteira assinada.
A empresa passou a funcionar de forma deficitária — os depósitos de salários e do FGTS dos empregados começaram a atrasar, o que gerou várias ações trabalhistas. Em 2009, Herbert Richers morreu e o prédio na Usina deixou de operar. Três anos depois, o imóvel foi à leilão por R$ 1,7 milhão, sendo arrematado, à época, por um grupo de empresários. A verba acabou usada no pagamento de débitos com ex-funcionários e também na quitação de impostos atrasados.
Via O DIA
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