Por Milena Azevedo - GHQ
Claire Bretécher é uma das autoras mais consagradas das histórias em quadrinhos francesas. Já no início dos anos 1960 participou da renomada revista Tintin, onde publicou uma série de gags. Também esteve presente na revista Spirou, entre 1967 e 1971, criando as séries Gnan-Gnan e Naufragés (esta em companhia de Raoul Cauvin). Em 1969, encontramos igualmente Bretécher nas edições Dargaud. Na revista Pilote, ela apresenta a personagem Cellulite. Estes eram nada menos que os grandes carros-chefes das revistas ilustradas para a juventude naquele período.
Mas o salto determinante em sua carreira se deu mesmo em 1972, quando, em associação com Marcel Gotlib e Nikita Mandryka, cria a editora independente Éditions du Fromage. Logo eles lançam a célebre revista Écho des Savanes, cuja concepção se define pela liberdade de expressão, onde cada um poderia se exprimir a sua maneira. As histórias de Bretécher se fazem, então, mais ácidas, antecipando em alguns meses a criação de seus impagáveis Les Frustrés (Os Frustrados). Écho des Savanes teve inicialmente uma circulação marginal, mas alcançou um grande sucesso.
Em 1973 ela decide trabalhar na grande imprensa. Dentre outros jornais e revistas, desenha uma prancha semanal com Les Frustrés para o Nouvel Observateur – importante revista semanal de esquerda da época. É também nesse período que decide se lançar na aventura da auto-edição, cujo primeiro número de Les Frustrés sai em 1975.
Dona de um traço aparentemente simples, os quadrinhos de Bretécher são, na verdade, um retrato caricatural da sociedade burguesa contemporânea. Seu desenho nervoso e expressivo corresponde perfeitamente a sua proposta de não fazer concessão aos valores estabelecidos, sobretudo quando mira as idiossincrasias das personalidades ricas, os pseudo-intelectuais de esquerda, os aficionados por psicanálise e os esnobes. De mesmo modo, aborda com ironia a militância feminista e os comportamentos familiares inovadores. No cenário dos quadrinhos críticos e reflexivos, o trabalho de Claire Bretécher se impõe como um dos mais importantes do humor com expressão sociológica, no mesmo domínio da obra de Quino e Henfil.
Além de Les Frustrés, Bretécher explora uma variada gama de personagens e situações fazendo um humor corrosivo sobre os novos comportamentos e novo contrato social. Com o álbum As Mães, ela enfoca a problemática da maternidade nas mulheres economicamente ativas. Em meados da década de 1980 ela cria Agrippine, retrato da adolescência de classe média e intelectual. Com Agrippine, Bretécher incorpora a linguagem coloquial e cheia de gírias da juventude, dando um tom mais leve e jovial as suas histórias.
Praticamente inédita no Brasil, a obra de Claire Bretécher começa a ser difundida entre nós por intermédio da editora Marca de Fantasia, que se firma como um canal para os novos quadrinhos brasileiros e o melhor dos quadrinhos e cartuns de outros países. Em 2004 lançou-se a primeira versão deste álbum, que agora é retomado com melhor qualidade editorial. Com Os Frustrados, o trabalho de Bretécher volta a sua origem, não só pela descoberta para nós de uma de suas mais marcantes criações como pelo modo de produção e circulação inicial, ou seja, o meio independente, tão caro à autora.
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