sábado, 21 de abril de 2012

Mulheres em Quadrinhos

Por Paula Mastroberti - Blog UHQ

Afinal, quadrinhos é coisa de meninos? Mariamma Fonseca, Samanta Coan e Luciana Cafaggi, editoras do do Blog Lady's Comics, afirmam que não - "HQ não é só para o seu namorado", subscrevem.


Prestes a publicar minha primeira obra no gênero (Nota doUniverso HQ - Adormecida) depois de obter reconhecimento como escritora e ilustradora, deparei-me com uma sensação de isolamento: seríamos nós, mulheres quadrinistas, um arquipélago de pequenas e isoladas ilhas cercadas de machos por todos os lados?

Doutora em Letras, iniciei, por puro hábito acadêmico, uma pesquisa informal, mas que acabou ganhando um corpo que transcendeu a mera curiosidade, e acabou se transformando num verdadeiro movimento sociocultural. Isso graças à criação do Grupo Mulheres em Quadrinhosno Facebook, cujo objetivo é reunir e manter em contato pessoas de todos os sexos interessadas em discutir as questões que giram entre o universo feminino relacionado a linguagem dos quadrinhos.

Descobri que, se é difícil para qualquer um produzir e publicar HQs nesse país, a coisa se agrava no que toca à autoria feminina. E a culpa não é da falta de qualidade. Também não se trata exatamente de um apoio menor às publicações: editoras comoBarba Negra, Estação Liberdade, Martins Fontes e Devir têm investido em jovens autoras como Cristina Judar ou Thaís dos Anjos. Porém, a situação aperta quando chegamos na etapa da divulgação e do espaço ocupado por essas moças nas prateleiras.
Qual seria, então, o motivo da aparente invisibilidade do sexo feminino na mídia e nas boas casas do ramo? Afinal, elas já são presença assídua em eventos como Comic-Con, participam de associações como a Grafar e ministram cursos em escolas como aQuanta. Algumas, como é o caso de Marcela Godoy, através de apoio cultural, editam a própria obra ou, tal como Cynthia Bonacossa, produzem revistas, recebendo colaborações de quadrinistas masculinos. Outras, como Ana Luiza Koehler, já publicaram no exterior. Mas parece que só quem está no meio ou é bem informado as conhece ou pelo menos ouviu falar delas.

Uma das causas de discriminação deve-se, possivelmente, à função de coloristas ou de arte-finalistas que muitas eventualmente exercem ou exerceram na grande indústria local ou estrangeira, nem sempre creditado, respeitado ou valorizado como autoria. Mesmo quando referenciadas na capa como responsáveis pela arte ou roteiro, essas profissionais acabam por submeter-se aos padrões formais instituídos por um sistema mercadológico que ainda prevê o público masculino como o maior consumidor. Ou seja, apesar da participação das mulheres nas áreas de criação, a linguagem prossegue se dirigindo ao sexo oposto, principalmente quando se tem em vista não o leitor de quadrinhos infantil, mas o adulto. O que nos leva à terceira questão: afinal, mulheres não lêem quadrinhos?

Uma entrevista ligeira feita por mim em duas livrarias de Porto Alegre (uma grande, de importância nacional e localizada em um shopping e outra menor, de rua, mas especializada), parece ir ao encontro do que o mercado editorial vislumbra como público consumidor: embora o número de jovens leitoras esteja aumentando (principalmente do gênero mangá, justamente porque ele inclui de modo especial o universo e o gosto feminino, assunto que por si renderia outro artigo), homens de todas as idades prosseguem sendo os apreciadores em maior número, dos humorísticos aos eróticos, dos super-heroicos às sofisticadas produções europeias. E, se perguntado ao vendedor sobre algum título de autoria feminina, é provável que ele o desconheça, mesmo que logo em seguida você descubra o álbum enfiado entre tantos outros dispostos na livraria - isso aconteceu comigo.

Esse comportamento de mercado deve gerar, sem dúvida, um círculo vicioso que interfere tanto nas categorias e estilos de produção quanto na seleção de novas HQs. Na produção, as configurações das heroínas femininas (por mais fortes e independentes que pareçam) devem satisfazer o leitor masculino, que enxerga o corpo da mulher como um objeto de exploração erótica. Assim, mesmo ilustradoras reconhecidas do gênero, como a italiana Giovanna Casotto, acabam produzindo segundo esse critério, para garantir um lugar no meio profissional.

No Brasil como no resto do mundo, a conversa prossegue no mesmo tom, de homem para homem, da programação dos eventos às abordagens da mídia. Contudo, mesas e debates ainda tímidos mostram que essa paisagem está se modificando. A aproximação cada vez maior com a cultura nipônica através dos mangás e animês e personagens bem sucedidas como Mônica e Mafalda contribuíram, sem dúvida, com toda uma geração de garotas educadas na leitura dos quadrinhos; e são estas que estão agora querendo ocupar um lugar ao lado dos rapazes: na realidade, longe de uma guerra de sexos, o que tem acontecido cada vez mais é uma relação de muito respeito e parceria.

Assim, entre super-mulheres infladas ou masculinizadas, entre torções corporais absurdas que visam destacar seios e nádegas e heroínas em trajes sumários e acessórios pouco confortáveis - configurações produzidas pela e para a preferência masculina, as quadrinistas brasileiras, tal como outras no mundo, estão aí para provar que, como autora ou como personagem, elas estão presentes em corpo e voz, seja qual for o gênero, mídia ou linguagem - e isso inclui o gênero dos quadrinhos.

*Paula Mastroberti é escritora, artista plástica e Doutora em Letras, autora de 9 livros e vencedora de alguns prêmios, como o Troféu Jabuti por Heroísmo de Quixote. Acaba de fazer sua estreia nos quadrinhos com Adormecida: 100 anos para sempre, pela Editora 8Inverso.

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