terça-feira, 5 de maio de 2015

Cartunista baiano traz cangaceiro e capoeirista como heróis em HQs

Cartunista baiano traz cangaceiro e capoeirista como heróis em HQs
Apostando na regionalização dos quadrinhos, Flávio Luiz vendeu milhares de exemplares de Aú, o capoerista, e ganhou o prêmio HQMix por O Cabra.

Flavio_Luiz_by Rafael RoncatoPara criar Aú, o capoeirista, o cartunista e ilustrador baiano Flávio Luiz, 50 anos, inspirou-se em personagens dos quadrinhos europeus. “É um herói bem no estilo Asterix. Só que em vez de estar em uma aldeia da Bélgica está no Pelourinho”. O tom regional do livro, que conta as aventuras de um capoeirista mirim, fez a obra ser adotada por escolas de São Paulo. Com isso, Luiz já vendeu mais de nove mil exemplares em todo o país e, no ano passado, lançou o segundo capítulo da história: Aú, o capoeirista, e o fantasma do farol.
Premiado em salões de humor no Brasil e no exterior, Luiz aponta a regionalização dos quadrinhos como uma grande oportunidade para o setor na Bahia. “O baiano se notabilizou pela inquietude. É ver o que as pessoas estão fazendo e trazer para cá do nosso jeito. Foi o que João Gilberto fez com o jazz, Glauber Rocha com a Nouvelle Vague e Gil e Caetano com o Tropicalismo”, diz.

E se para Aú ele buscou referências em uma aldeia gaulesa; para O Cabra, vencedor do prêmio HQMix de melhor publicação independente de autor, Luiz teve inspiração de outros planetas. “Eu misturei o cangaço com a ficção científica. Star Wars (Guerra nas Estrelas) mesmo nada mais é do que samurais transportados para a ficção”. O Cabra conta a história
de um cangaceiro em um futuro distante. Além de buscar referências criativas para escrever as histórias em outros países, o cartunista também coleciona inspirações de marketing para saber como vendê-las.

Ao observar o cenário europeu, Luiz teve a ideia, em 2008, de criar um hotsite para Aú. “Percebi que os europeus faziam muito isso”. Foi através do site que o livro foi descoberto por um linguista da Universidade de São Paulo, que o indicou à Secretaria de Educação do estado. Luiz também é a mente criativa por trás dos quadrinhos Jayne Mastodonte e Rota 66, publicados originalmente no antigo Correio da Bahia. Ele ainda foi ilustrador do extinto jornal Bahia Hoje e da agência Africa.
[B+] – Antes de trabalhar com quadrinhos você se formou em administração?
Au_capafinalbFlávio Luiz – Sim, mas sempre trabalhei com desenho. Trabalhei com mortalhas, o pré-abadá, fazendo estampas. Cheguei a ser diretor de arte em uma agência, mas meu forte sempre foi cartoon e charges. O cenário baiano de produção de quadrinhos já mudou muito. Tenho 50 anos. No meu tempo, existiam alguns movimentos de encontro dos artistas, mas o pessoal tinha que ganhar dinheiro de outras formas. Eu publicava minhas tirinhas em alguns jornais, mas não dava para me manter. Sempre conciliei esse trabalho (no jornal) com o meu trabalho de ilustrador publicitário, que paga melhor. Mas percebi que cada vez mais estava trabalhando para o Sudeste e me mudei para São Paulo em 2008.
Como conseguiu dinheiro para o lançamento do primeiro Aú?
Tive a sorte de conseguir um mecenas que bancou todo o projeto. Esse patrocínio me permitiu lançar em cinco capitais: São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte, Recife e Salvador. Na época, um linguista da USP visitou o site do Aú e o recomendou por
ser um personagem brasileiro, de raiz africana. A Secretaria de Educação de São Paulo colocou na lista de indicações para as escolas. Tive uma vendagem tão boa que estou terminando a terceira edição do Aú.

Você chegou a abordar as secretarias de Educação de Salvador e da Bahia, certo?
Sim. Gostaria muito que a prefeitura de Salvador adotasse (o livro nas escolas) também, porque é um livro formador de leitor. É um personagem positivo, que mostra um baiano que não é preguiçoso, é trabalhador. Ele fala com gírias da Bahia, com sotaque. Aú tem muito o estilo do Asterix. É um herói que em vez de estar em uma aldeia da Bélgica, está no Pelourinho. Estamos carentes de histórias assim, que atendam o público infantojuvenil ou a todos os públicos.
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Tirinha retirada do livro Aú, o capoeirista, e o fantasma do farol

Como foi o levantamento de recursos para o segundo capítulo do livro?
Não tive uma editora interessada em publicar o Aú 2. Fui buscar no crowdfunding (uma espécie de vaquinha online). O quadrinista independente é um doido que acredita que as coisas vão dar certo. E deram certo. Mas como foi muito caro, pode não ter sido o ideal. O crowdfunding funciona melhor com valores menores. E as pessoas não entendiam que era uma compra antecipada. Fazia também storyboard para um filme ou uma peça publicitária, e o valor que seria para mim, eles jogavam no projeto.
Como você avalia o atual mercado de quadrinhos no Brasil e na Bahia?
Recebi muitas críticas quando lancei Aú pelo valor (R$ 40*). Fui um dos primeiros, em 2008, a tentar publicações com capa dura, com qualidade semelhante à europeia. Agora, as livrarias já vendem quadrinhos aqui em São Paulo que custam R$ 200. O Cabra está vendendo bastante por aqui, tanto que estou planejando o segundo. Em Salvador, acho que falta uma circulação maior de artistas.
“O baiano se notabilizou pela inquietude. É ver o que as pessoas estão fazendo e trazer para cá do nosso jeito” – Flávio Luiz

Antes de as livrarias brasileiras começarem a vender livros de quadrinhos mais caros, Aú teve boas vendas. Como isso foi possível?

Junto do Aú lancei o hotsite do livro. Na Europa, todos já tinham seus hotsites, que é uma propaganda animada do livro. Hoje, vemos muita gente seguindo esse exemplo, mas fui um dos primeiros a fazer isso aqui. O baiano se notabilizou pela inquietude. É ver o que as pessoas estão fazendo e trazer para cá do nosso jeito. Foi o que João Gilberto fez com o jazz, Glauber Rocha com a Nouvelle Vague e Gil e Caetano com o Tropicalismo. Viram lá fora e disseram “pô, legal, vamos fazer também”.
O que os novos quadrinistas podem fazer para conquistar leitores?
CAPAfinal CABRAQuem quer começar tem que ter senso crítico. No meu início, mostrava (meu trabalho) não só para os amigos, mas para os caras que eu admirava. Comprei livros de como se fazia tirinha. Hoje, minha dica é procurar cursos na internet. E tem que desenhar muito. Temos que criar um universo. “Se estiver chovendo, como meu personagem vai ficar? E se ele estiver com dor de dente?”. É um pouco brincar de Deus.
E como eles podem se destacar?
A cultura brasileira é rica! A gente tem que buscar essas referências e bater no liquidificador. Tive a ideia de fazer o cangaceiro. Mas pensei “por que colocar ele de novo no início do século?”. Eu misturei o cangaço com a ficção científica e coloquei o cangaceiro na falta d’água. O Star Wars mesmo nada mais é do que samurais transportados para a ficção. Aí, você faz o mashup, joga tudo no liquidificador e vê qual o sabor.

Matéria publicada na edição 29 da Revista [B+]

Via B+ 

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