'O Brasil nunca teve um momento tão bom nos quadrinhos'
Idealizador das graphic novels da Turma da Mônica, Sidney Gusman fala sobre novos títulos da série e o mercado de HQs do país
A Graphic MSP -- selo da Mauricio de Sousa Produções responsável por empreender graphic novels com os personagens dos gibis que todos nós lemos quando éramos crianças -- acaba de ganhar mais uma edição: Penadinho - Vida, HQ do casal Paulo Crumbim e Cristina Eiko, uma história de amor estrelada pelo simpático fantasma e seus amigos.
“No universo do Mauricio, o Penadinho e a Alminha são namoradinhos. Aqui, o Penadinho tem de se declarar para a Alminha, antes que ela reencarne. É uma história linda”, explica Sidney Gusman, diretor de planejamento editorial da MSP, que criou o selo em 2012 e desde então editou autores como Gustavo Duarte, Danilo Beyruth e os irmãos Vitor e Lu Cafaggi. “Fiz esse projeto para trazer a Turma da Mônica para o leitor jovem e adulto, e me sinto orgulhoso que o Mauricio permitiu que a gente colocasse na vitrine quadrinistas excelentes, usando os brinquedos dele”, diz Gusman, que também é editor do site especializado Universo HQ e trabalha com quadrinhos desde a década de 1990.
“O Brasil nunca teve um momento criativo tão bom nos quadrinhos quanto hoje”, o veterano editor diz, referindo-se ao cenário nacional em que autores finalmente recebem adiantamentos para seus trabalhos, editoras procuram o mercado independente e surgem leitores ávidos por novidades.
“Deixou de ser vergonha o cara dizer que lê quadrinho. A nerdaiada domina o mundo -- e isso é legal. É um público que gasta muito, e precisava de um empurrãozinho”, brinca Gusman, que até o fim do ano pretende lançar mais três volumes da Graphic MSP: a continuação de Laços, da Turma da Mônica, chega em julho. Já uma HQ estrelada pela Turma da Mata (do elefante Jotalhão) está prevista para setembro. A última do ano, com o Louco, deve sair em novembro.
Na entrevista a seguir, Gusman fala sobre o mais novo lançamento da série, Penadinho, comenta o surgimento do selo e conta seus critérios próprios para escolher autores e personagens ao lado de Mauricio de Sousa (spoiler: não, Mauricio ainda não liberou uma graphic novel estrelada pelo Horácio. Snif). Além disso, ele faz planos para o futuro e avisa: “Dias ainda melhores estão para chegar para o quadrinho nacional”.
É uma história de amor. Sou muito fã do Paulo Crumbim e da Cristina Eiko, autores de uma série chamada Quadrinho A2, que explora o relacionamento deles como um casal. O melhor jeito de explorá-los era fazer uma história de amor: disse que eles podiam fazer o que quisessem, mas tinha de lidar com o fato que a Alminha, a namorada do Penadinho, iria reencarnar. Eles fizeram uma história linda, e esse é o grande barato da Graphic MSP. No universo do Mauricio, o Penadinho e a Alminha são namoradinhos. Na Vida, o Penadinho nunca disse para a Alminha que gosta dela -- e ela vai ser sequestrada, para ser entregue no outro dia para a Dona Cegonha. O resto é spoiler.
Como começou o projeto da Graphic MSP?
Para falar da Graphic MSP, temos que voltar uns anos no tempo. A primeira, Astronauta - Magnetar, do Danilo Beyruth, saiu no final de 2012, mas antes do selo eu semeei o projeto com o MSP 50. O Mauricio ia completar 50 anos de carreira, e eu chamei 50 autores para fazer histórias curtas dos personagens do Mauricio. Acabamos fazendo três: um em 2009, um em 2010, um em 2011. Por que a gente fez três? Porque nerd adora trilogia! Foi um sucesso de público e crítica, e aí eu cheguei no Mauricio e falei que a gente deveria fazer graphic novels dos personagens. Eu falei que escolhia os autores e os personagens que cada um deles iria trabalhar. Enquanto o MSP 50 era uma coisa mais de livraria, na Graphic MSP eu briguei para ter lançamento em banca: assim, dava para baixar o preço e atingir muito mais gente. Além disso, consegui promover autores bacanas, que vendiam no máximo mil, duas mil cópias, para mais de cinco dígitos em vendas. Se deixar, os leitores querem que eu faça uma por mês, mas estabeleci a meta de quatro por ano. Quando saiu o Magnetar, eu descobri que isso não vai acabar nunca.
Como você escolhe os autores e as histórias que eles vão contar?
Trabalho com quadrinhos desde 1990. Sou jornalista e editor da Universo HQ, e, em algum momento da minha vida, eu divulguei todos esses autores. Acho difícil que tenha alguém no Brasil que leia mais quadrinhos do que eu. Para participar desse projeto, o autor tem que querer pra caramba. Só para constar no portfólio, não adianta. Tem que fazer com tesão. Eu, editando, penso no leitor que eu era, e é por isso que existe essa sinergia tão legal com os leitores. Além disso, tem que ser bom. E, terceiro, tem que ser profissional, de não ter mimimi e saber jogar com as mesmas regras: o cara faz uma graphic e coloca a Mônica pelada? Não vai rolar, amigo. Quer ver os peitinhos da Tina? Sinto muito!
O que eu sinto com a Graphic MSP é que ele me fez voltar a ler a Turma da Mônica já adulto. Era essa a intenção?
Eu fiz esse projeto para trazer para a MSP o leitor jovem e adulto. O Maurício já tem o infantil com a Turma da Mônica, e o juvenil com a Turma Jovem. O que você me disse é o que eu mais ouço desde 2012. Eu admiro muito o Maurício por ter deixado a gente fazer essa ousadia. Naquele ano, ele estava numa posição de poder dizer: “Ó, não mexe com os meus brinquedos”. Por que ele precisava disso? Ele enxerga muito longe para o mercado, e viu que havia uma oportunidade para o leitor adulto. O que me emociona é ver a alegria dele, passando todo dia na minha sala e ficando surpreso. Eu sabia que ele era um fã de quadrinhos, mas o mercado não sabia. O projeto inclusive ajudou a diminuir a distância do Maurício com o resto dos autores e do mercado. É uma maneira de ajudar o mercado, e me comove ver como os fãs correm atrás dos autores da Graphic MSP. Os leitores não sabiam que tinha tanta coisa bacana no mercado independente -- e os autores agradecem ao Maurício por emprestar os seus brinquedos.
Mas tem um brinquedo que o Mauricio não empresta, que é o Horácio. Por quê?
Ele disse que é melhor não mexer no Horácio por enquanto. Ele sabe que é difícil acertar a pegada do Horácio que ele tem. É um personagem que tem o DNA do Maurício. Por enquanto está em stand-by, mas quem sabe…
E além do Penadinho, o que há planejado para 2015?
Vamos ter mais três lançamentos: a continuação do Laços, da Lu e do Vitor Cafaggi, sai em julho, junto com a Comix Fest. Em setembro, para a Bienal do Livro do Rio de Janeiro, vem o primeiro da Turma da Mata, do trio Artur Fujita, Roger Cruz e Davi Calil e em novembro, no Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte, a gente lança o Louco, do Rogério Coelho. O Louco era para ter sido o primeiro a sair, mas o Rogério Coelho resolveu fazer uma coisa assombrosa, e aí o prazo dele foi para o vinagre. Além disso, em novembro a gente vai anunciar mais três livros para 2016, para fazer companhia à graphic novel do Papa-Capim, que deve sair no começo do ano. Mas isso é segredo ainda. O eu quero fazer também é levar esse projeto adiante, adaptando as graphics para outras linguagens e levando para outros mercados. Por enquanto, só o Magnetar saiu em alguns países da Europa. Tem um caminho longo para a gente percorrer ainda, mas temos fôlego para ir muito longe. E tem gente muito boa que ainda vai desenhar para nós. Estamos procurando um jeito para conseguir fazer caras bacanas como o Ivan Reis e o Mike Deodato participarem -- eles já disseram que querem, mas tem os contratos de exclusividade com a DC e a Marvel, respectivamente. Aí o papo é outro… mas seria incrível.
Para além da Graphic MSP, como você vê o mercado nacional de quadrinhos?
A gente nunca viveu um momento criativo tão bom como o de hoje para os quadrinhos no Brasil. Os autores estão recebendo adiantamento para HQs que vão ser lançadas -- antes, o cara trabalhava três ou quatro anos até conseguir vender o trabalho dele. . Além disso, deixou de ser vergonha o cara dizer que lê quadrinho. A nerdaiada domina o mundo -- e isso é legal. É um público que gasta muito, e precisava de um empurrão. Os leitores brasileiros estão dispostos a investir, e o público só cresce, se despindo de preconceitos. Falta a gente popularizar mais o quadrinho brasileiro nas bancas, mas eu sou um otimista: nunca vi tanta gente boa fazendo quadrinho, emplacando séries e álbuns fechados. Dias melhores ainda estão para chegar.
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