As diferentes formas de linguagem e as narrativas diferenciadas, que vão além do "padrão super-herói", fazem com que o público em geral busque mais contato com os quadrinhos
A série de reportagens feita pelo Jornal Comunicação sobre as histórias em quadrinhos (HQ’s) agora apresenta as mudanças narrativas e de linguagem ao longo dos anos nesse meio. Após falarmos sobre a expansão que acontece no mercado brasileiro , vamos mostrar um pouco de quem faz e como são feitas as HQs.
Os quadrinhos não são mais exclusividade dos nerds – como ditava o estereótipo nas últimas décadas. O público das histórias em quadrinhos diversifica-se cada dia mais e esse movimento se deve especialmente pela popularização do gênero devido às adaptações cinematográficas. Para Rodrigo Scama, professor e doutor em História que estuda os quadrinhos há mais de 10 anos, o estereótipo de homem nerd que gosta de quadrinhos e só lê os super-heróis está acabando. “Ao analisarmos aGibicon, que aconteceu aqui em Curitiba, tinham mulheres, meninas, idosos e nerds lendo as HQs. É uma forma legítima de leitura”, conta.
A aposentada Olga Maria Panhoca é exemplo dessa diversidade de público. Desde os 15 anos lendo quadrinhos, foi com um presente de seu irmão que tudo iniciou. “Comecei com Snoopy, os personagens eram mais profundos, tinham mais história que os outros gibis da época”, diz. De tanto gostar desse mundo, acabou por incentivar essa leitura em seus três filhos. “Assinava Turma da Mônica para as crianças, mas quem mais liam eram os adultos”, lembra.
No processo evolutivo dos quadrinhos, a narrativa e a linguagem – e todas as possibilidades que elas envolvem – tem lugar de destaque. Segundo Rodrigo Scama, os super-heróis, por exemplo, são uma narrativa norte americana típica do pós-guerra. “É uma criação datada que só sobrevive porque está na mídia até hoje. Ao vermos o cenário de quadrinhos independente do Brasil, não temos nenhum super-herói”, esclarece. Característica que Scama alega ser positiva, pois os super-heróis vêm da cultura americana e, sem assimilar esse tipo de narrativa, o Brasil consegue ter independência para criar e testar os seus próprios modelos.
Novas narrativas?
Muito além dos super-heróis, o universo dos quadrinhos procura sempre inovar. O quadrinista Marcello Quintanilha explica que não existem necessariamente novas narrativas, mas sim mudanças e adaptações. “A narrativa do quadrinho é muito estandarizada. É impossível que tudo tenha sido feito no campo da arte, é impossível que tudo tenha sido feito no campo das linguagens”, diz.
Em seu processo criativo, Quintanilha procura sempre mexer com a narrativa. “Gosto de usar coisas pouco utilizadas do ponto de vista narrativo, como os flashforwards (recurso narrativo para mostrar eventos futuros). Vejo muito o uso de flashbacks, mas os flashforwards são raros”, aponta. Ao deixar os personagens crescerem e contarem as histórias, Quintanilha desvia das fórmulas e padrões mais comuns. ‘’Sempre parto de coisas reais, coisas que eu vivi para criar minha história. Depois disso, deixo que os personagens dêem o rumo para ela’’, conta.
Entre os elementos que servem de inspiração e contribuem para as inovações nos trabalhos de Quintanilha estão a literatura brasileira e o fotojornalismo – do qual ele abstrai aprendizados de anatomia e comportamentos humanos. “[Esses elementos] são determinantes para mim porque me ajudam a formular, cristalizar um quadrinho”, comenta. “No fotojornalismo o ser humano está lá sem preparo, na sua mais pura expressão”
A linguagem dos quadrinhos, embora pareça única diante de seu formato, mudou com o tempo. Para Scama, essa linguagem pouco se alterou antes dos anos 80. “Nos anos 80 e 90, os quadrinistas começaram a mexer na forma como se entende quadrinhos”, salienta. Um exemplo de linguagem que é própria dos quadrinhos são os balões de pensamento. ‘’Em nenhum outro meio você consegue colocar o pensamento do personagem junto com a cena e a ilustração da mesma forma que nos quadrinhos’’, exemplifica Scama.
A partir de 1978, com Will Eisner, que essas linguagens começam a sofrer modificações. “Enquanto tiver um público consumidor, há possibilidades de mexer na linguagem”, afirma Scama. Quintanilha corrobora com esse pensamento. “Tudo pode ser experimentado, re-experimentado, repensado, reprogramado ou repaginado. Em qualquer linguagem tem espaço para absolutamente tudo”, defende.
Quadrinhos na internet
Como todo material impresso, os quadrinhos também se modificaram com as novas tecnologias. Com a chegada de novos meios de comunicação, como a internet, é preciso inventar outras formas de passar a mensagem. Desde a venda desse material até a forma de consumo precisam se alterar ao novo modus operandi. É o caso dos celulares e tablets, por exemplo. “Ninguém ainda resolveu como ler gibi no celular, embora estejam tentando”, pontua Scama.
Mesmo assim, novidades estão surgindo. O Bear Online, por exemplo, é uma webcomic produzida por Bianca Pinheiro. O quadrinho conta a história de uma menina e seu amigo urso que viajam ao redor do mundo em uma aventura para encontrar o lar da garota. E a autora aproveita recursos próprios do meio para inovar, utilizando GIF’s (imagens em movimento) em vários quadrinhos, por exemplo. A interatividade com o público é a chave para o sucesso da webcomic. Projetada e realizada somente na internet, Bear acabou realizando o caminho inverso e em um segundo momento chegou também ao meio impresso.
O Last RPG Fantasy também inovou ao deixar com que leitores da web determinassem as continuações da história, misturando o conceito de RPG com quadrinhos e internet. É uma alternativa para buscar interatividade com o público e fugir das narrativas presas. É o que o professor Scama destaca: “na hora em que muda a tecnologia, a linguagem se adapta”.
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