Com um casal anônimo como protagonista, a obra mostra a rotina oprimida de uma mulher analfabeta e religiosa envolvida em um caso extraconjugal e o convívio dela com um marido de poucas palavras
“Nas minhas primeiras edições de fanzine, já tinham histórias de terror, que é uma leitura do meu interesse desde sempre”, conta o autor. Segundo ele, apesar do mesmo título e da trama semelhante à do curta, o trabalho exigiu desafios inesperados: “Foi um quadrinho difícil. De vez em quando eu tinha que parar e deixar passar uns dois dias sem fazer nada, pensando como eu poderia fazer. Enfim, é gratificante ver o material impresso agora e, no retorno de quem leu, perceber que as sensações que eu queria causar funcionaram”.
Em seguida ao sucesso de Piteco – Ingá, Shiko lançou outros dois trabalhos, ambos com temáticas recorrentes em suas obras. Em Azul Indiferente do Céu (2013), ele retratou a violência urbana em uma trama sobre a caça a dois jornalistas na Colômbia. Já em Talvez Seja Mentira (2014), o artista desenhou corpos masculinos e femininos em duas tramas eróticas. Lavagem tem aspectos violentos e eróticos, mas Shiko não vê dúvida em relação ao gênero de sua obra.
A protagonista feminina de Lavagem dialoga com outros trabalhos de Shiko e com suas opiniões em relação ao debate crescente sobre o papel das mulheres e a presença de um discurso feminista no mundo do entretenimento: “Não são poucas as meninas questionando diversas coisas. Acho que a gente tem a obrigação de observar, escutar e conversar sobre isso com atenção. Acho que finalmente essa conversa está aí e quem ignorar ficou pra trás”. Para exemplificar sua preocupação, ele cita sua interpretação para os personagens de Maurício de Sousa em Piteco – Ingá. “Na versão original do Maurício, o Piteco e a Tuga possuem uma relação bem machistinha. Eu não poderia reproduzir aquilo. Tive de transfigurar, manter a base da personagem e a relação conflituosa que ela tem com esse namorado, mas eu não podia manter essa personagem feminina em um papel de que a única coisa que a move é o desejo pelo casamento”.
Por RAMON VITRAL - Rollingstones
As 72 páginas em preto e branco da HQ Lavagem (MINO, R$44) representam mais de um encontro para o seu autor. O trabalho do paraibano Shiko é ambientado no mesmo sertão no qual o quadrinista nasceu. Autor da graphic novel Piteco – Ingá (2013), da Maurício de Sousa Produções, o artista criou, em sua obra mais recente, um conto de terror com traços realistas e sujos que remetem aos temas e estilos do início de sua carreira, como autor de fanzines. Lavagem chega às livrarias como forte candidata a estar presente em muitas listas de melhores HQs do ano, no final de 2015.
Em entrevista à Rolling Stone Brasil, Shiko explicou como seu mais novo trabalho marca um retorno às suas origens. “Lavagem tem um sotaque regional muito forte. Talvez haja um encontro com um tipo de narrativa e universo mais regionalista. Talvez, em algum momento, tenha sido necessário me afastar dessa regionalidade porque se cobra isso do autor nordestino, do autor sertanejo, principalmente. É cobrada uma reportagem daquele universo regional e isso me parecia um limite que eu não queria ter”.
Com um casal anônimo como protagonista, a obra mostra a rotina oprimida de uma mulher analfabeta e religiosa envolvida em um caso extraconjugal e o convívio dela com um marido de poucas palavras, que passa a maior parte do tempo na companhia de seus porcos. Esse cotidiano é abalado com a chegada de um misterioso homem de terno pregando a palavra de Deus. A HQ é inspirada em um curta-metragem homônimo dirigido por Shiko e lançado em 2011.
“É um quadrinho de terror. O que descobri que é uma coisa muito difícil de se fazer [risos]. A fruição não é linear como no cinema, em que você pode colocar um elemento ali que, de repente, assusta. Talvez funcione muito mais parecido com a literatura. Tudo aquilo que é descrito você cria na sua imaginação. E nada assusta mais do que a própria imaginação. No quadrinho você tem que mostrar o que está acontecendo. Então não tem tanto como o cinema, nem tão pouco como a literatura. Se eu conseguir tensionar a leitura, acho que cheguei no resultado máximo que poderia”, analisa o autor.
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