Por Maurício Muniz
Todo leitor de quadrinhos de longa data, aqueles que cresceram lendo aventuras de super-heróis fantasiados, sabem que era raro, até alguns anos atrás, encontrar mulheres que gostassem de gibis.
E quem poderia culpá-las? Durante a maior parte de sua existência, a indústria dos quadrinhos não pensou muito nas mulheres e nem as retratou de maneira muito justa. As revistas dos super-heróis, com suas tramas cheias de homens musculosos enfrentando vilões loucos e ambiciosos, tinha mesmo pouco do universo feminino. Quase tudo que existia no mercado apelava aos jovens do sexo masculino e sua vontade de viver aventuras e sair da mesmice através dos heróis de papel. As garotas que apareciam nas tramas, muitas vezes, eram pouco mais do que elementos do cenário: uma secretária, a filha de um comissário da polícia, a herdeira rica e entediada. Sua intenção era aparecer como o interesse romântico do herói ou como a dama em perigo.
Mesmo a repórter Lois Lane, que era parte importante do universo de Super-Homem, servia mais como elemento menor da narrativa do que como uma personagem bem construída. Lois não foi criada para que as possíveis leitoras se identificassem com ela. A identificação com Lois, aliás, era difícil. A repórter parecia ter, basicamente, três funções nas histórias do Homem de Aço e até na revista solo que finalmente ganhou: ser salva pelo Super-Homem após algum vilão sequestrá-la, tentar descobrir a identidade secreta do herói ou arrumar uma maneira de casar com ele.
Outras personagens femininas conhecidas, como a Mulher-Maravilha, continuavam atraindo mais os homens e poucas mulheres compravam os gibis com suas aventuras. E, claro, colocá-la como secretária da Sociedade da Justiça nos anos 40, ficando para trás enquanto os homens saíam para salvar o mundo, também não ajudou a criar uma imagem forte para as possíveis jovens leitoras se empolgarem em querer saber mais sobre ela.
Talvez muitas garotas lessem as aventuras românticas e humorísitcas do adolescente Archie, verdadeira instituição das HQs nos Estados Unidos, sendo publicadas desde o início dos anos 40. A Marvel também tentou atrair mulheres para os quadrinhos e lançou em 1945 a revista Millie, the Model(que no Brasil foi publicada pela La Selva e Trieste), sobre uma garota tentando a carreira de modelo em Nova York, que durou surpreendentes 28 anos, sendo cancelada apenas em 1973. Quando Jack Kirby e Joe Simoncriaram os quadrinhos românticos com a revista Young Romance, em 1947, várias editoras flertaram com eles e, supõe-se, boa parte do público dessas publicações eram mulheres.
Com o tempo, alguns títulos convencionais passaram a atrair uma parcela do público feminino. Com seus super-heróis que pareciam mais próximos da realidade a partir da década de 60, a Marvel começou a atrair uma parcela desse público. Susan Storm, a Mulher Invisível, foi um marco na forma de retratar a personalidade feminina, mesmo se os outros membros do Quarteto Fantástico às vezes saíssem com frases meio preconceituosas como "Ah, ela é apenas uma mulher". Na década de 70 e 80, leitoras passaram a interessar-se pelas aventuras do Homem-Aranha – que, apesar do elemento fantástico, tinha suas raízes no mundo dos jovens e seus problemas – e a gostarem das figuras femininas fortes e interessantes dos X-Men e de Elektra, na revista do Demolidor.
Homens e mulheres de areia
Mas nenhum outro título trouxe tanto o público feminino para o mercado de quadrinhos norte-americanos quanto Sandman, a genial criação de Neil Gaimanlançada em 1989. As histórias, centradas no rei do mundo dos sonhos e em seu universo, não se furtavam a tratar de assuntos variados como filosofia, literatura, psicologia e crenças religiosas. Os leitores mais sofisticados aprovaram e começaram a usar o título para mostrar às mulheres em suas vidas – ou as mulheres que eles gostariam que estivessem em suas vidas – que os quadrinhos não tinham apenas homens musculosos se esmurrando, mas que podia existir muita vida inteligente neles.
Mas nenhum outro título trouxe tanto o público feminino para o mercado de quadrinhos norte-americanos quanto Sandman, a genial criação de Neil Gaimanlançada em 1989. As histórias, centradas no rei do mundo dos sonhos e em seu universo, não se furtavam a tratar de assuntos variados como filosofia, literatura, psicologia e crenças religiosas. Os leitores mais sofisticados aprovaram e começaram a usar o título para mostrar às mulheres em suas vidas – ou as mulheres que eles gostariam que estivessem em suas vidas – que os quadrinhos não tinham apenas homens musculosos se esmurrando, mas que podia existir muita vida inteligente neles.
(Antes que alguém reclame da frase acima: não é que não houvesse assuntos inteligentes nas HQs de super-heróis convencionais. O problema é que elas nem sempre aspiravam a ser algo mais especial, como era Sandman).
A revista escrita por Gaiman logo se tornou um grande sucesso de vendas e, em grande parte, porque as mulheres começaram a comprá-la também. Subitamente, as editoras perceberam algo: mulheres também gostavam de Histórias em Quadrinhos... contanto que elas fossem boas! Com o tempo, mais e mais revistas que apelavam também ao público feminino foram surgindo. Sandman foi uma das revistas que deu origem à linha Vertigo, uma das campeãs de vendas entre as fãs de HQs. Talvez não por coincidência, a Vertigo era comandada pela muito competente Karen Berger, que trouxe uma sensibilidade diferente à linha, talvez por ser formada em Literatura e em História da Arte.
Atualmente, o dinheiro do público feminino é tão desejado pelo mercado que a Marvel até lançou há pouco o título Girl Comics (Quadrinhos para Garotas, em tradução livre), uma revista feita exclusivamente por mulheres, desde à edição até o letreramento. Já a DC tem, entre outros, o título Birds of Prey, que traz uma equipe formada apenas por heroínas, é escrita pela roteirista Gail Simone e já teve desenhos da brasileira Adriana Melo.
Os quadrinhos precisam de mais mulheres
Um dos maiores problemas do mercado de quadrinhos ocidental é que o público não está se renovando. Crianças não são mais atraídas pelas HQs de super-heróis e para aventuras em papel de Batman como já foram no passado. Por isso, é uma boa hora para ajudar a salvar o mercado atraindo as mulheres para os quadrinhos. Talvez não seja uma tarefa das mais fáceis, mas também não é impossível. Diga a elas que no Japão e na Europa as mulheres leem muitas HQs e as adoram (o que, para nossa inveja eterna, é verdade). Comece a indicar quadrinhos legais e inteligentes para elas. Explique que são como filmes, com boas histórias e personagens cativantes. Quer algumas dicas sobre o que indicar? Aí vão:
Um dos maiores problemas do mercado de quadrinhos ocidental é que o público não está se renovando. Crianças não são mais atraídas pelas HQs de super-heróis e para aventuras em papel de Batman como já foram no passado. Por isso, é uma boa hora para ajudar a salvar o mercado atraindo as mulheres para os quadrinhos. Talvez não seja uma tarefa das mais fáceis, mas também não é impossível. Diga a elas que no Japão e na Europa as mulheres leem muitas HQs e as adoram (o que, para nossa inveja eterna, é verdade). Comece a indicar quadrinhos legais e inteligentes para elas. Explique que são como filmes, com boas histórias e personagens cativantes. Quer algumas dicas sobre o que indicar? Aí vão:
Estranhos no Paraíso, de Terry Moore, sobre duas amigas envolvidas com namorados, ex-namorados, amores impossíveis e as tragicomédias do dia-a-dia.
Fábulas, de Bill Willingham, sobre os personagens dos contos de fadas vivendo na Nova York moderna em meio a conspirações, dramas, romances e aventuras. Aqui, o Lobo Mau namora a Branca de Neve. Que mais alguém precisa saber?
Os Mortos-Vivos, de Robert Kirkman e Charlie Adlard, é uma história de zumbis dominando o mundo e pode não parecer a melhor opção de HQ para uma mulher, mas mesmo assim elas adoram. Pode confiar.
Sandman, de Neil Gaiman, é uma das melhores HQs de todos os tempos e um clássico eterno. Se você ainda não sabe porque, vá descobrir.
Fracasso de Público, de Alex Robinson, mostra um grupo de amigos jovens lutando por seus sonhos e por suas carreiras na assustadora cidade de Nova York em meio a muito humor, drama, romances fracassados, empregos ruins e referências ao mercado de quadrinhos.
Retalhos, de Craig Thompson, conta a história do próprio autor tentando achar a felicidade após uma infância complicada e regida por valores religiosos um tanto opressores.
Y: O Último Homem, de Brian K. Vaughan e Pia Guerra, mostra uma praga que mata todos os homens do mundo, com uma exceção: o herói Yorick, que parte por um mundo em caos para tentar achar a namorada perdida. É considerada por muitos como a melhor HQ dos últimos anos.
Scott Pilgrim contra o Mundo, de Bryan Lee O’Malley, tem um herói bacana (mas meio perdido na vida) tentando conquistar a garota mais legal do mundo e se livrar dos sete ex-namorados dela, todos canalhas. da pior espécie Ou seja: mais ou menos o que acontece em qualquer relacionamento...
Se tiver outras sugestões de HQs legais para o público feminino, indique abaixo.
Ok, agora mãos à obra. Vamos ajudar os quadrinhos, tentando trazer mais mulheres até eles. O pior que pode acontecer é deixarmos o mercado mais bonito.
Obs: Maurício Muniz é editor da Gal Editora e do blog sobre Cultura Pop Antigravidade.
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