Por: Henry - Quadrinize!
Enquanto Adolfo Aizen (fundador da editora Ebal, conhecido como “O Pai das Histórias em Quadrinhos no Brasil”) e Roberto Marinho disputavam entre si o posto de “editora potência”, inclusive com várias disputas empresariais, o mundo entrava no ano conturbado de 1939, com o início da Segunda Guerra Mundial. E os quadrinhos não ficariam de fora nessa disputa e foram usados como instrumento de propaganda de guerra pelos americanos. Nessa época, entre outras personagens, conceberam o patriota e anticomunista Capitão América. Os quadrinhos americanos viviam em crescente popularidade e com ela vinham adversários, com morais e éticas da sociedade aristocrática norte americana.
Na França e principalmente na Itália surgiram fortes aversões aos comics americanos, inclusive com leis proibindo a comercialização e distribuição dos quadrinhos americanos. Os italianos defendiam que existiam mensagens “subliminares” nada inocentes, e assim constituíam uma “maneira nociva de desculturalização do povo italiano”. Já os franceses, por parte do ilustre e consagrado crítico de cinema Georges Sadoul, se questionavam a respeito da “responsabilidade” dos Comics na formação das crianças e jovens franceses, formando o primeiro conceito de que as HQ’s influenciavam a delinqüência infanto-juvenil.
É importante ressaltar que as idéias fascistas dos italianos foram bem divulgadas e ampliadas no país, devido às políticas de controle da mídia (imprensa e propaganda) do Estado Novo de Getúlio Vargas, que era admirador do regime italiano.
No Brasil, os inimigos declarados dos gibis eram os padres, que defendiam a idéia (oriunda da Itália) que os comics “desnacionalizavam” as crianças e jovens do país. Por haver muitos imigrantes italianos no país àquela época, tais idéias foram bem difundidas, se tornando críticas severas contra os quadrinhos no Brasil. Em 1938, durante o “Congresso Estadual de Jornalistas de São Paulo”, Aizen foi citado na lista dos editores que “estavam fazendo fortuna a olhos vistos com publicação de revistas criminosas, que deformavam moral e intelectualmente crianças e adoslecentes brasileiras”.
A censura através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) não atacava os quadrinhos publicados no país, e por isso tanto Marinho com o “O Globo” e Aizen com seus “Suplementos” publicavam notas e textos favorecendo o Governo do Estado Novo de Vargas. Chegando a rodar cartilhas para o governo.
Em meio a isso tudo surgia o já “magnata das comunicações” Assis Chateaubriand, tornando seus olhares às rentáveis “Historietas em Quadrinhos”. Proprietário do “Diários Associados”, e lhe faltava alcançar apenas uma parcela da sociedade com suas publicações, o público infanto-juvenil. E para alcançar a garotada, Chateaubriand importou uma impressora dos norte-americanos que lhe permitia imprimir em quatro cores – condizendo assim com o lema de se ter “o melhor e mais moderno equipamento gráfico em suas publicações”. E assim lançaria em 1940 a revista “O Guri”, a primeira edição detinha o subtítulo: “O Filhote do Diário da Noite” e contava com a edição de Lúcio Cardoso, e com a contribuição de vários artistas e escritores, dentre eles estava o imigrante lusitano Alcino Madeira (com uma versão de “Os Lusíadas” de Camões) e Millôr Fernandes (escritor fortemente influenciado pelos comics do Suplemento Juvenil de Aizen) .
Assim, os Quadrinhos estavam ainda mais difundidos no país, e se tornaram leitura freqüente para a maioria das crianças e adolescentes das capitais, cidades litorâneas e próximas ao eixo Rio-São Paulo (nas outras localidades a distribuição não funcionava corretamente, devido ao fraco sistema de transportes e a pouca malha ferroviária). Assis Chateaubriand ainda ajudou a divulgar e popularizar sua “mania” entre a garotada, a de colecionar revistas, prazer igualável apenas a colecionar e completar os álbuns de figurinhas. “O ritual dos gibis envolvia troca, compra e venda de exemplares nas tardes dos fins de semana, nas portas de cinema, antes das disputadas matinês de seriados de aventura que eram exibidos semanalmente”, segundo Gonçalo Júnior em a “Guerra dos Gibis”.
Nem tudo eram flores no mercado editorial de Quadrinhos no Brasil. Com o prologamento da guerra, trazendo baixo crescimento econômico e o racionamento do papel, Adolfo Aizen viu sua empresa ir acumulando dívidas, e agindo praticamente sozinho, pois a maioria dos sócios do “Grande Consórcio” sairam, fazendo-o pensar em fechar a empresa por várias vezes.
Seu principal concorrente, Roberto Marinho, ia muito bem obrigado com seus quadrinhos. E agora decidia investir nos autores nacionais, decisão descartada antes pelo fator financeiro. Antônio Callado saia da direção dos gibis de “O Globo” e entrava Nelson Rodrigues, que além de suas “traduções” e parcerias com Alceu Penna em 1938 (O Fantasma de Canterville), adaptou “A Guerra dos Mundos” de H.G. Wells para os Quadrinhos do “O Globo”. Nelson Rodrigues também caloborou nos Gibis do concorrente Chateaubriand, tanto na revista “O Guri” como também na “Detective”.
No começo da década de 1940, ainda repercutia no Brasil a proibição do Governo Italiano (Fascismo de Mussolini) a respeito da proibição de circulação dos comics americanos. Mesmo com o DIP (Dep. de Imprensa e Propaganda) fazendo “censura nula” aos gibis exportados, foi-se percebendo que cada vez mais jornalistas, pais e professores viam com maus olhos a leitura dos Gibis por crianças e jovens. E manifestam essa “aversão” em público, o que levou Aizen a pensar novamente sobre sua empresa, pois em 1934 ele forjou uma falsificação em sua Certidão de Nascimento a fim de se obter a idade necessária para se ter o registro de CNPJ da sua empresa. O fato de poder ser investigado e eventualmente expulso do país o assustava imensamente, tanto que a partir dessa ocasião ele procurou aliviar suas criticas aos seus perseguidores.
Contudo sua empresa não estava bem das pernas, ao contrário de seus concorrentes. Sem nenhuma perspectiva de salvar “O Grande Consórcio” da falência eminente, Aizen ainda levou alguns golpes do seu “adversário” Marinho. O pior deles talvez, foi a apropriação (através dos “Syndicates”) dos “heróis” do Suplemento Juvenil. Contudo além de personagens, Marinho também contratou a maioria dos bons funcionários de Aizen, inclusive Alfredo Machado, que viria fundar a licenciadora de Quadrinhos Record (hoje o maior conglomerado de editoras da América Latina).
A Record entrou no mercado em 1942, quando Alfredo Machado e Décio de Abreu fundaram a empresa. Além de editoração de livros, a Editora Record publicou também: “Bonelli Comics: Zagor”, aventureiro criado pelos italianos “Guido Nolitta” e “Gallieno Ferri” e também as revistas dos personagens “Dylan Dog”, “Martin Mystère”, “Mister No”, “Nick Raider e Judas”. Reeditou parcialmente a série western “A história do Oeste” (Epopéia, na Ebal).
O maior feito da editora contudo foi licenciar (através dos Syndicates americanos) a maior parte dos heróis americanos que viam para o Brasil, e seus diferenciais eram bom atendimento, pontualidade no prazo de entregas, e novidades nas edições.
Com isso o Brasil estava bem abastecido de Histórias em Quadrinhos, e teria força suficiente para organizar a primeira “mostra” de Quadrinhos como exposição artística, tema recorrente que será pauta para a continuação desta matéria. Não percam.
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