Por Judão
Lá se vão dez anos desde a estreia de Homem-Aranha. Não sei você, mas eu tinha 17 anos e fui ao cinema com a menina mais bonita da faculdade ver como seria aquele personagem que sempre adorei, agora na tela grande e VIVO. Depois de quase duas horas, saí do cinema um pouco frustrado. O filme era divertido, tinha inúmeras sequências tiradas daquelas histórias clássicas que tinha lido, mas aquele não era o Homem-Aranha. Não, ao menos, aquele que eu conhecia, aquele com o qual me identificasse.
Corta para 2012. Fui ao cinema mais uma vez ver o Homem-Aranha. A companhia, infelizmente, não era a mesma. Mas, na tela, quanta diferença. Talvez não tenha sido um filme tão empolgante quanto aquele de 2002, mas este é, finalmente, o Cabeça-de-Teia. Este é Peter Parker. Este é o cara que, em minha adolescência, eu queria ser.
Este é O Espetacular Homem-Aranha.
É bom que as comparações entre a trilogia de Sam Raimi e este novo filme do diretor Marc Webb acabem por aí. É um mundo novo, uma realidade nova. No que foi possível, O Espetacular Homem-Aranha se diferencia dos outros três filmes – até porque rebootar a franquia depois do sucesso dos dois primeiros longas e do desastre do terceiro não é um trabalho fácil. Mas a grande diferença é que, desta vez, a loirinha não estava do meu lado, mas sim na tela do cinema.
Uma história sobre pessoas
A grande sacada do novo filme seja, talvez, o bom entendimento do personagem principal. Originalmente, Amazing Spider-Man, o gibi, era sobre um garoto que devia se dividir entre os cuidados com a tia, as contas de casa, as provas no colégio/faculdade e a caçada a alguns vilões. Não era um personagem heroico no sentido literal da palavra, alguém que vestia uma roupa e lutava por um ideal, como o Capitão América, ou um bon vivant que tentava arrumar as besteiras que fez enquanto se exibia por aí, como o Homem de Ferro. Na real, era apenas um adolescente apaixonado pela loirinha da mesma classe da faculdade e que precisava vender umas fotos dele próprio para ajudar nas contas de casa.
Ele era eu ou você.
E é assim que as coisas acontecem em Espetacular Homem-Aranha. Aqui vemos uma história baseada em pessoas. Uma história de amor, mas não como aquelas comédias românticas que Hollywood adora fazer. Não. É apenas um cara que está para se formar e acha linda a inteligente colega de classe, que senta ao lado dele. Uma pessoa que, na cabeça dele, nunca olharia para um loser como Peter Parker. Só que ela olha, sim. E ela não olha para fora, para aquela imagem de bobão que caras como Flash Thompson criaram para Peter, mas sim para o bom coração que ele tem por dentro.
Assim, sentir essa atmosfera é como ler aquela grande fase do Homem-Aranha, com roteiros do Stan Lee e desenhos do John Romita. Dá até para dizer que Emma Stone é, com a sua Gwen, o retrato mais fiel daqueles desenhos feitos pelo Romita há 45 anos. Se alguém perguntar para o quadrinista, tenho certeza que até ele dirá que está espantado com a semelhança.
Por outro lado, o Peter Parker de Andrew Garfield consegue ser autêntico, único e, ao mesmo tempo, fiel a tudo que foi feito até hoje com o herói. No chat que aconteceu após a exibição do filme nesta segunda-feira, o ator contou que, como fã, leu diversas HQs do personagem, além de ver desenhos animados e a trilogia anterior. É possível ver tudo isso no filme.
Não é apenas na história de amor que este é um filme de pessoas. Como você sabe, o filme aborda também o passado de Richard e Mary Parker, os pais de Peter. Não que a busca pelo passado norteie o filme inteiro, mas são elementos que levam aos principais acontecimentos e deixam pontas para os próximos filmes. Já o relacionamento de Pete com os tios Ben e May é bem tangível, você sente o carinho que existe naquela casa, apesar das eventuais brigas e desentendimentos. É uma família normal, no fim das contas.
Não sei se você já teve a oportunidade de ler Amazing Fantasy #15, gibi no qual surge o Aranha, ou até mesmo as primeiras edições de Amazing Spider-Man, ainda na fase com desenhos do Steve Ditko. Nela havia um narrador, alguém que relatava os detalhes de tudo que acontecia na história. O próprio Stan Lee, para dizer a verdade. É ele quem diz, inicialmente, que “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. No filme é um sentimento parecido. Não há o narrador, mas é como se ele ecoasse na sua mente. VOCÊ é o narrador, tamanha a identificação com a história. E, ao ver aquela história acontecendo, é você, o narrador, que mais uma vez conclui que “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”.
Isso é algo realmente incrível de se perceber.
Heroico, mas nem tanto super-heroico
Juntando tudo isso, o que temos é que o Homem-Aranha é Espetacular apenas no título. Por ser tão próximo de nós, tão real, não é um personagem tão heroico. Ele ainda está em formação, aprendendo, muito a estilo do que foi feito por Brian Michael Bendis na versão Ultimate do personagem. Não é, por isso, um cara que vai lá, bota pra f#@$ e mostra quem manda.
Trata-se de um personagem mais consistente e que usa seu bom coração para compensar sua inexperiência. Aquela cena do Aranha com o garoto no carro em chamas, que foi liberada em uma prévia em vários cinemas no mundo e na internet, é uma demonstração disso tudo.
Bom, se você pensar que, na verdade, o Homem-Aranha é apenas um garoto que quer consertar o maior erro de sua vida e que quer ganhar o coração da garota pela qual é apaixonado, isso faz sentido. O cara que irá salvar os EUA, a Terra e o Universo algumas vezes ainda está por aparecer. Isso se ele aparecer. Afinal, este é o Amigão da Vizinhança – e é bem melhor que fique assim.
Filme é filme
Ainda assim, com tantos pontos de identificação, não vá ao cinema achando que você vai ver uma adaptação literal das HQs. Nunca foi essa a ideia. Apesar de manter o mesmo espírito, o filme agrega elementos novos, como o passado dos pais de Peter. Desde os anos 90 a Marvel Comics estabeleceu que eles foram agentes secretos, mas o novo filme vai além, colocando-os como cientistas importantes, como foi feito no Universo Ultimate Marvel. Tudo isso faz bem ao personagem, até o fato dele andar por aí de skate. Afinal, qual adolescente de 17 anos anda, hoje em dia, com uma mobilete por aí?
Mas não dá, absolutamente, para dizer que este é o “Homem-Aranha Ultimate” ou algo assim. Trata-se de algo novo.
O Lagarto é outro exemplo. Ele até aparece, eventualmente, de jaleco, mas é um personagem ligeiramente diferente das HQs. O problema é que, no final das contas, a motivação do personagem no cinema continuou a mesma dos quadrinhos, o que ficou, talvez, muito forçado, um pouco clichê. Aqui caberia uma mudança que não foi feita. Ainda assim, dá pra perceber que Rhys Ifans foi atrás das primeiras aparições do vilão, baseando nelas a interpretação do Dr. Connors.
Marc Webb faz jus ao nome
Nos erros e nos acertos, é tudo, em boa parte, culpa de Marc Webb. Na realidade, o diretor não inventou: ele seguiu aquilo que mais sabe, justamente baseando seu filme nas pessoas e nos relacionamentos. A combinação da atuação da Emma Stone com a direção e as tomadas, além das da química dela com o Andrew Garfield, faz com que você se apaixone pela personagem e torça pelo casal. E isso é puro Lee/Romita. Até cabe, porque não, uma comparação entre Webb e John Romita. Antes de chegar ao Aranha, o desenhista havia trabalhado com histórias românticas na DC, meio que novelinhas. Isso agregou muito para as HQs do Aranha, como a experiência de Webb com (500) Dias Com Ela tendo o mesmo feito positivo no novo filme.
Outra decisão acertada – e mais barata – foi o uso menor do CGI na movimentação do Cabeça-de-Teia. A forma com que ele passeia com suas teias por Nova York é incrível e real, às vezes até meio que desajeitada, em um grande trabalho feito pelos dublês e pelo próprio Garfield. As poses do Homem-Aranha refletem mesmo um garoto de 17 anos que quer ser cool, que quer ficar legal.
Até para aprofundar a sensação de que aquele cara ali na telona pode ser qualquer um de nós, o diretor traz algumas sequências em primeira pessoa. São poucas, rápidas, mas é meio que você lá, disparando suas teias.
Também é bom ver um Peter Parker que, apesar de suas dificuldades, se apega à tecnologia, ou conhecimento e a sua memória fotográfica. Porém, quando ele bota a máscara tenta ser quem não consegue ser sem ela, alguém com mais coragem, divertido, extrovertido.
Não vou dizer, no final das contas, que o filme não tem problemas. Tem. O Lagarto poderia ser um vilão melhor, por exemplo. Nem o 3D é tão interessante, com cenas que não usam muito da profundidade. Ainda assim, nada disso supera as qualidades.
Há até aqueles que vão sair bravos do cinema, reclamando que não viram um super-herói de verdade. Não, eles não viram. Ninguém viu. Ou verá. O que temos é um garoto picado por uma aranha que saiu por aí e foi lutar pelo que acredita. Tão herói quanto um bombeiro.
Alguém que, repito, poderia ser você. Ou eu.
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