Retratos vivos de uma época em que os quadrinhos de heróis não se levavam tão a sério, versão pré-Novos 52 da dupla aparece a partir de dezembro em Justice League 3000
Por Thiago Cardim - JUDÃO
Podem me chamar de saudosista – mas esta é para mim, de longe, uma das notícias mais empolgantes dos quadrinhos de super-heróis desde que a Marvel, enfim, confirmou o retorno de Peter Parker pós “aquela sexta-feira maluca na qual eu e aquele cientista gordinho dos braços mecânicos trocamos de mentes”.
Quem lê o JUDÃO, sabe (ou, pelo menos, deveria saber!) como eu sou fanático pelo Homem-Aranha. Então, imaginem o impacto que tem, para este que vos escreve, o anúncio oficial do retorno da clássica dupla Besouro Azul e Gladiador Dourado. Sim, eles mesmos. Ted Kord e Michael Jon Carter. Como na época da Liga da Justiça Internacional, escrita por J.M. DeMatteis e Keith Giffen. Os personagens em sua versão pré-Os Novos 52, que é aquele reboot de 2011.
Em uma entrevista ao Newsarama, o roteirista de Justice League 3000, ninguém menos do que o próprio Keith Giffen, deixou claro que a aparição dos dois palhaços favoritos de todo leitor de gibis de heróis da década de 1990 nas páginas da revista “não é um truque”. Eles não são clones, nem são parasitas. Eles são eles mesmos. E a sua aparição chega para mudar completamente o status quo desta nova versão futurista da Liga da Justiça. Calma que a gente explica.
Vamos começar por este título mensal, Justice League 3000, que vem recebendo certa atenção (merecida, leia-se) da imprensa especializada e do público norte-americano. A premissa é a seguinte: no ano 3.000 – mas é claro! – um cientista descobre uma maneira de recriar os heróis do passado. Eles não são clones, mas são, digamos, parasitas – que se replicaram nos corpos de voluntários usando o DNA de suas contrapartes da era anterior (devidamente guardados pelo Projeto Cadmus) e se desenvolveram de maneira, digamos, diferente – e divertida.
O time é formado por um Superman ainda aprendendo o que é ser herói (e que não sabe voar e tampouco soltar raios pelos olhos); um Flash que agora é uma mulher; uma Mulher-Maravilha cabeça quente que não sabe conter a fúria de sua herança de amazona; um Batman que, como não perdeu os pais, ainda está tentando encontrar motivação para ser herói; e um Lanterna Verde que não tem o anel e é uma encarnação do poder esmeralda, vivendo escondido sob um capuz. Eles são indisciplinados e pouco cooperativos. Mas são a única esperança do universo.
Na edição 12, a superequipe encontra uma espécie de câmara criogênica em Takron-Galtos – no caso, o planeta-prisão que outrora foi a Terra. Lá dentro, estão Ted e Michael. Sua última lembrança é a de que Maxwell Lord – outrora seu patrão na chamada Liga da Justiça Internacional – os estava perseguindo, enfurecido. E mais nada.
O que isso quer dizer para a revista da Liga da Justiça do ano 3.000? Que, ao contrário do que se imaginava, o título é ambientado não no futuro dos Novos 52, pós-reboot do Universo DC. Mas sim no futuro de um universo que se parece com o universo pré-Novos 52. Ou algo assim. Giffen, obviamente, não entra muito no mérito da coisa para evitar estragar a surpresa. Mas dá a entender que poderíamos estar diante de uma terceira parte da saga dos Superamiguinhos, o time original da Liga da Justiça Internacional retratado pela dupla Giffen/De Matteis na minissérie Já Fomos A Liga da Justiça (Formerly Known as the Justice League, de 2003) e no especial Não Acredito Que Não É A Liga da Justiça (I Can’t Believe It’s Not the Justice League, 2005). Ou seja: humor despretensioso e sem grande preocupação com a cronologia, afinal de contas.
Mas quem são eles?
Giffen e De Matteis, então, mudaram o conceito todo. Convocaram um montão de personagens B e transformaram a Liga da Justiça em uma entidade de manutenção da paz internacional, com embaixadas em diversas cidades do mundo. Um picareta de nome Maxwell Lord se tornaria o consultor empresarial do grupo. E o tom das histórias nunca esteve tão longe da seriedade dos heróis da época (estamos falando de 1987, um ano depois da sombria explosão de violência de O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller). O gibi era repleto de piadinhas e provocações entre os personagens – que, apesar de alcunhas como Senhor Milagre e Soviete Supremo, se comportavam como um bando de adolescentes irresponsáveis. Batman e Ajax, o Caçador de Marte, eram talvez as duas únicas mentes coerentes e adultas naqueles corredores. E, por mais que fossem o maior detetive do planeta e um marciano superpoderoso, eles não eram lá muito respeitados…
Os grandes destaques eram, de fato, o Besouro Azul e o Gladiador Dourado, uma dupla que se conheceu e imediatamente criou um laço de amizade tão grande que os tornou inseparáveis. O Besouro era um jovem genial chamado Ted Kord, o segundo Besouro Azul da história, herdando o nome do personagem original da Charlton Comics. Como nunca conseguiu usar o escaravelho que dava poderes ao portador original, desenvolveu uma série de traquitanas tecnológicas para ajudá-lo a combater o crime.
Do outro lado estava o Gladiador, Michael Jon Carter, esportista famoso da Metrópolis no século 25 que se deu mal por lá – que veio para o nosso tempo em busca de fama e fortuna. Usando um anel da Legião dos Super-Heróis, ele pode voar. E seu traje futurista lhe confere um tipo de força sobre-humana, para que o Gladiador possa se garantir na porradaria.
Juntos, eles se tornaram uma dupla de engraçadinhos, especialistas em trollagens, em piadas infames e em pregar peças nos camaradas. Mestres em frases de efeito e em passar cantadas baratas, seu passatempo favorito era esconder os biscoitos do Ajax (ou Caçador de Marte, se você é novatinho), encontrar formas para fugir da vigília nos monitores e tentar comprar resorts em ilhas distantes no meio do oceano. Com eles, a risada Bwahahahahahahahahaha, a marca registrada da fase, se tornou sinônimo de uma história leve, divertida, gostosa e sem preocupações.
Em
um dado momento, no entanto, a realidade os atingiu. A Liga da Justiça
Internacional acabou e virou duas equipes: Liga da Justiça da América e
Liga da Justiça Europa. O Superman, já parte da JLA, morreu. E seus
personagens, incluindo o Besouro e o Gladiador, foram absorvidos pela
seriedade. Anos depois, em Contagem Regressiva para a Crise Infinita,
o prólogo da saga que – mais uma vez – mudaria o universo DC, Ted
descobre pistas de uma conspiração. Investigando sozinho, ele dá de cara
com seu outrora colega Maxwell Lord, que pretendia usar os satélites do
Projeto OMAC para vigiar, acumular informações a respeito dos
meta-humanos da Terra e encontrar formas de destrui-los. Ted se recusou a
compactuar com Lord – que lhe deu um tiro na cabeça, impiedosamente.
Durante a Crise Infinita, um moleque de nome Jaime Reyes achou o tal
escaravelho e ganhou poderes especiais, incluindo uma armadura
característica, assumindo a alcunha de Besouro Azul. Foi esta versão que
passou a aparecer nos novos desenhos do Batman e até na série Smallville.
Já o Gladiador Dourado, mesmo de luto, se tornou um herói bem mais
importante do que ele mesmo imaginaria, cuidando de algo que conhecia
muito bem: a correta manutenção da linha temporal. Em um dado momento,
quando o Gladiador precisou convocar diferentes versões temporais do
Besouro para ajudá-lo em uma missão, e teve mais uma vez ao seu lado o
velho amigo Ted Kord, ainda que deslocado no tempo, vimos que a velha
mágica ainda existia. Em Os Novos 52, o Gladiador e o novo Besouro se mantiveram praticamente iguais o que se vinha contando recentemente, conceitualmente. Mas, cá entre nós, isso não me importa em nada. A volta do Gladiador e do Besouro clássicos traz uma graça que a DC perdeu depois do reboot. Mesmo o Lobo, aquele mal-educado motoqueiro espacial politicamente incorreto, tornou-se apenas e tão somente um assassino frio e calculista sem aquele humor negro, sem aquela falta de pretensão que permitia que a DC fizesse histórias únicas, desconectadas de qualquer tipo de cronologia complicada. É um luxo ao qual a Marvel se dá, por exemplo, com o Deadpool, que lhes permite brincar com metalinguagem, ousar, explorar e fazer humor sem as amarras de qualquer Guerra Civil, Guerra Secreta, Crise de Identidade ou Crise Infinita.
Pra conseguir isso, inclusive, Giffen comentou na entrevista que aquela é a LJI dele e do DeMatteis. Tudo o que foi feito depois, mesmo antes do reboot, vai ser sumariamente ignorado por eles. Kord nunca levou o tiro na cabeça. A dupla Azul/Dourado nunca acabou. Eles são os mesmos dos anos 80.
Vida longa ao Besouro Azul e ao Gladiador Dourado. E a todos os “bwahahahahahahahas” que eles nos proporcionam. Porque nem todo mundo precisa ser o Batman. Ainda bem.
FONTE: Newsarama
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