quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

FALANDO EM QUADRINHOS… As saídas na DC e o possível surgimento de um mundo novo

Gail Simone é mais uma que deixa a editora. O que será que está acontecendo no número 1700 da Broadway?
Por Judão
Negócios são negócios, diria o Ronaldinho Gaúcho. Ou o Juan Manuel Fangio. Algo assim. No final das contas, o importante é o dinheiro entrando, as vendas acontecendo e o bônus de final de ano chegando. Simples assim.
Isso funciona com muitos negócios, inclusive dentro da indústria do entretenimento. Porém, nos quadrinhos era um pouco diferente. Sem ser um hit como TV e cinema há décadas, as grandes editoras dos EUA viviam mais pelo trabalho de roteiristas, editores e até executivos que gostavam do que faziam. Claro, não vamos nos enganar: todo mundo tem contas para pagar no final do mês. A diferença é Marvel e DC não eram grandes engrenagens em negócios globais. Ainda eram, no final das contas, editoras.
Aliás, o caso da própria DC era bem confortável. Parte do grupo Warner desde sempre, a editora sempre teve uma liberdade em seus produtos e nas metas. Eventualmente um dos heróis deles ia para a TV e o cinema. Pronto, era mais uma grana que entrava e tinham a liberdade de manter publicações que nem davam muito dinheiro, mas eram legais e pronto.
Esse mundo acabou.

Cadê as verdinhas?
Quando a Warner criou a DC Entetainment e apontou Diane Nelson como presidente, o recado foi claro: “essa porra precisa dar dinheiro por si só”. Tiraram Paul Levitz de presidente e publisher da editora, nomeando Dan Didio e Jim Lee (responsável por grandes vendas na Marvel) para serem co-plublishers. O cerco começou a apertar. A mão dos editores, também. O reboot veio e aquele gibi que não conseguir manter uma boa margem de vendas (e não tiver esperança de melhorar esses números) vai pro limbo. Sem choro.
Por isso, por exemplo, botaram Rob Liefeld para desenhar Rapina & Columba no reboot. Liefeld, apesar de criticado, conseguiu através dos anos manter o nome ligado a títulos com boas vendagens. Além disso, a polêmica que ele traz também ajuda. Na última semana, Liefeld contou no Twitter que, depois dessa participação inicial, o chamaram para trabalhar com os gibis do Exterminador, Bandoleiro e Gavião Negro porque as vendas estavam baixas – algo que ele conseguiu reverter, diz.
Isso aí. A DC jogou com a polêmica do nome do Liefeld para tentar resgatar as três publicações.

Foto: Renan Martins Frade / JUDAO.com.br
O próprio Liefeld não aguentou as pressões da editora e a visão dos editores sobre aquilo que é ou não vendável. Ele não só saiu, como também pirou no Twitter.
Na última semana foi a vez da editora executiva da Vertigo, Karen Berger, deixar o selo que ela criou para a DC no começo dos anos 90. Mais uma vez, sinal da nova política, que trouxe os principais personagens da Vertigo para dentro do Universo DC, onde, claro, eles podem vender melhor. Esvaziado, o selo não precisava mais de uma editora como ela — melhor demitir, na cabeça dos executivos.
A saída de Gail Simone
Eis então que, agora, surge mais uma vítima desse novo momento da DC. Gail Simone, roteirista que atualmente estava no gibi da Batgirl, está deixando a editora. Ela foi demitida. Por e-mail.

Gail Simone na última San Diego Comic-Con (Foto: Renan Martins Frade / JUDAO.com.br)
Gail é um forte retrato do que foi a DC nos últimos dez anos. Criadora do site Women in Refrigerators em 1999, ela conseguiu mostrar para toda a indústria que algo errado estava sendo feito com as heroínas. Assim, ela foi pra DC e fez aquilo que achava certo, transformando Aves de Rapina em um hit. Ela trabalhou com a Mulher-Maravilha e outros títulos, se tornando respeitada no mercado.
De acordo com o Bleeding Cool, a saída de Gail tem muito a ver com o relacionamento dela com o editor Brian Cunningham – e esse não seria o único problema do tipo. Ao que parece, tem se tornado cada vez mais comum que os editores aprovem roteiros para, depois, pediram novas e novas versões, provavelmente de acordo com o ~feeling comercial~. Tudo isso tem irritado os roteiristas.


De certa forma, é possível perceber que a DC está perdida, além de corroborar uma visão que venho tendo a ler muitas das revistas da editora. Um grande exemplo é Justice League #12, aquela do beijo entre Superman e Mulher-Maravilha. É nítido pela história (até pela capa diferente revelada antes) que o rumo da revista foi mudado para comportar aquele beijo – que não fico ruim, diga-se. Tudo para gerar notícia. Os resultados são, claro, visíveis. No lado financeiro, claro. A DC conseguiu reverter a balança do mercado, vendendo mais do que a Marvel em quase todos os meses desde o reboot. Isso obrigou a Casa das Ideias a iniciar um próprio relaunch, que devolveu a editora ao posto de mais vendida em outubro e novembro. Ainda assim, o mercado como um todo vende mais do que antes e o segundo lugar de hoje vale mais do que em 2010 ou 2011.
O problema é que fica impossível manter um ambiente dentro da própria empresa dessa forma. Diane Nelson e Gail Simone, apenas para ficar nesses exemplos, foram responsáveis por vários dos sucessos de crítica da DC. Outros nomes conhecidos também devem segui-las em breve se a política não mudar. Quem vai ficar? Nomes menos conhecidos, que não trazem vendas por si só, mas são mais suscetíveis aos mandos editoriais.
Nova geração e cenário independente
Isso não é, necessariamente, ruim. De tempos em tempos as grandes editoras “criam” uma nova geração de quadrinistas que, em certo momento, ganham status. Um exemplo recente é o de Scott Snyder, que surgiu em uma HQ independente em 2006 e, em poucos anos, é um dos grandes nomes atuais na DC. Só que uma hora até mesmo essas crias vão cansar da pressão e da falta de reconhecimento financeiro. Quer um exemplo? A geração da Marvel que apareceu entre o final da década de 80 e 90, que respondia por nomes como Todd McFarlane, Rob Liefeld e do próprio Jim Lee. Eles não quiseram mais ser “máquinas corporativas” (definição do próprio Liefeld) e fundaram a Image.
Paul Cornell, roteirista inglês que saiu da DC pelos mesmos motivos que Gail, resolveu botar lenha na fogueira via Twitter.
Em menos de 140 caracteres, Cornell bota o dedo não em uma, mas em duas feridas. A primeira é a falta de união dos quadrinistas. Não há envolvimento do sindicato, segurança de trabalho, nem nada do tipo. É diferente do pessoal que escreve para TV e cinema, que há poucos anos entrou em greve por conta da divisão de lucros, principalmente envolvendo digital e home video. Para você ter uma ideia, as editoras estão começando a tirar uma boa grana com as vendas digitais e nada muda para quem faz as HQs. Eles são pagos por trabalho ou recebem salário (se tem contrato de exclusividade, cada vez mais raro). Os personagens não são deles, cabendo apenas a uma pequena porcentagem dos lucros no caso de novas criações.


O outro ponto da ferida é o “creator ownership”. Homem de Ferro, o primeiro filme, tem a origem do personagem baseada no arco Extremis, escrito por Warren Ellis. Outros elementos do mesmo arco serão usados no terceiro filme da franquia. O que Ellis ganha? Nada. Apesar de estar de boa com isso. O mesmo exemplo pode ser ampliado para o Mark Millar. Por mais que Os Supremos tenha sido uma base para o filme Os Vingadores, é com o muito menor O Procurado que o roteirista ganhou mais dinheiro – afinal, trata-se de uma HQ dele, da qual possui os dinheiros autorais e de adaptação.
Nessa realidade, começa a fazer mais sentido para essa gente com nome publicar HQs autorais do que ver Marvel, DC, Warner e Disney ganhando uma boa grana com ideias de outrem.
A Gail é, mais uma vez, um exemplo: ela foi “saida” da DC por não concordar mais com as pressões do editor. O que ela leva de lá? Nada.
O que quero dizer com isso? Que a DC está indo para um caminho que não é interessante para aqueles que fazem tudo isso ser interessante: os quadrinistas. É um power-hit-combo de pressão, falta de liberdade e pouco reconhecimento financeiro. “Ah, se um sai, é só formar um novo”. Isso aí. Só que, como disse, eles vão trabalhar lá até construir um nome… E tchau.
Há um barulho nos bastidores dizendo que grandes mudanças na DC estão para ser anunciadas. Chutaria que a parte editorial da empresa deve sair definitivamente de Nova York e se mudar para Burbank, sede da Warner. Quando a DC surgiu, ainda nos anos 30, fazia sentido estar na Big Apple, capital das grandes editoras e publicações. Hoje faz sentido estar do lado do dono, aproveitar a sinergia, reduzir custos e tentar expandir as franquias para TV, cinema e games, tudo que é mais forte na Califórnia. Isso deve ser mais uma peça na mudança de rumos da empresa e deve vitimar principalmente os editores mais antigos.

Sede da DC Entertainment em Burbank. Sera que o editorial também vem pra cá?
Ah, e não se engane: quase todas essas críticas podem ser ampliadas à Marvel. Antes, quando não era de um grande grupo, a Casa das Ideias tinha mais liberdade editorial – fora o dinheiro que vinha de Hollywood. Agora, tem alguém olhando resultados financeiros esperando lucros, e não boas histórias. Marvel NOW!, o relaunch da editora, é exemplo desse pensamento e o Homem-Aranha é uma vítima. Há a chance da Casa das Ideias se tornar vizinha da Distinta Concorrência na mesma Burbank, onde a Disney mantém a sede.
Pareço pessimista? Não era essa a ideia. Hoje temos gente lendo quadrinhos no Brasil e nos EUA como não tínhamos há anos. Mas, como diria Selina Kyle, “uma tempestade vem vindo” – e pode ser que, depois dela, surja um mercado independente ainda mais criativo e lucrativo lá na América do Norte. Um mercado com mais espaço para histórias autorais e fechadas. Aos personagens tradicionais restará o cinema e a TV.
E isso não seria ruim.

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