Por Milena Azevedo - GHQ
Manassés Filho, proprietário da comic shop Comic House, em João Pessoa, há muito vinha ensaiando produzir uma convenção de quadrinhos na cidade.
Após firmar uma parceria entre a Comic House e a escola de inglês Yázigi, Manassés conseguiu tornar realidade o Top! Top!,
a primeira convenção paraibana de quadrinhos, que reuniu quadrinistas,
colecionadores e nerds de plantão entre os dias 1 e 2 de dezembro de
2012.
A grande atração do evento que
presta homenagem direta a Henfil e ao fanzine do Prof. Henrique
Magalhães foi a diretora documentarista Marisa Furtado, criadora da série Profissão Cartunista, embora os artistas da casa estivessem todos lá: Mike Deodato Jr., Emir Ribeiro, Jack Herbert, Ricardo Jaime, GG Carsan, o pessoal do Made in PB e do Coletivo WC.
Com
programação vasta e bem distribuída dentro da estrutura do Yázigi, com
salas amplas e climatizadas, bem iluminadas e sinalizadas (sem falar nas
paredes de um dos corredores do Yázigi, ostentando a exposição de
caricaturas e charges do ilustrador William Medeiros), o Top! Top!
trouxe excelentes mesas-redondas, como a dos quadrinhos independentes,
colocando em pauta a discussão sobre a produção de fanzines, e-zines e
blogues, e o quão importante foi a escola do fanzine para a formação dos
artistas de ontem e de hoje. Os professores Cellina Muniz (UFRN) e Henrique Magalhães (UFPB) defenderam a produção do fanzine clássico, em papel, com todas as suas nuances, inclusive o cheirinho de tinta.
Outra
mesa a ser destacada foi a do Mike Deodato Jr. e do Emir Ribeiro, que
substituiu de última hora “Deodato Pai”. Deodato contou que seu pai foi
seu herói duplamente, primeiro porque o apresentou aos grandes mestres
dos quadrinhos, e depois por ter criado o Flama e interpretado o
personagem no rádio. Ele também disse que Velta (personagem criada pelo
Emir) o inspirou a produzir seus próprios quadrinhos, e que a troca de
informações e quadrinhos com o Emir foi benéfica para ambos – no que
Emir completou: “Deodato desapareceu por um tempo e quando o reencontrei
ele estava eufórico porque havia começado a ganhar uma grana boa
desenhando para os Estados Unidos”.
Mas,
sem sombra de dúvida, o momento mais hilário do Top! Top! foi Deodato
revelando a gafe que cometeu quando foi pela primeira vez ao festival de
Angoulême, na França. Através de Ziraldo, que o indicou a ir junto com
uma comitiva de artistas brasileiros a Angoulême, em 1986 – entre eles
Mauricio de Sousa, Luiz Gê, Paulo e Chico Caruso –, Deodato ainda
rapazote, ao ser apresentado a um agente da Metal Hurlant alemã, não
cortou conversa e fez a saudação nazista: Heil, Hitler! (com direito a
braço estendido e tudo). Luiz Gê, todo sem jeito, pediu desculpas ao
agente e Deodato pensou que havia enterrado de vez a possível publicação
de uma história sua na revista. Mas tudo se resolveu.
Dos
vários documentários exibidos, os mais interessantes foram aqueles que
contaram com os respectivos diretores para comentá-los, como Marginal (sobre o início da carreira de Shiko) e Profissão Cartunista – Ziraldo e Will Eisner.
Há 21 anos a Marisa Furtado trabalha na produção de eventos, fazendo
contato direto com os artistas norte-americanos e europeus (foi ela quem
idealizou a belíssima exposição do Spirit, ano passado, na Rio
Comicon). Ela encantou a todos com suas histórias de bastidores sobre a
produção da série Profissão Cartunista, relembrando quando conheceu Will
Eisner, e do “Marisa Tur”, o fusquinha que ela usava para transportar
alguns artistas durante as bienais e eventos de quadrinhos no Rio de
Janeiro. No final, revelou estar cansada de fazer esses documentários,
cuja recepção é mais calorosa nos Estados Unidos do que no Brasil. E
deixou escapar que ainda tem vontade de fazer um último doc. sobre as
esposas dos grandes mestres dos quadrinhos. Outra revelação importante
feita pela Marisa foi sobre a sobra de material de filmagem; por
exemplo, ela guarda em torno de 400 minutos de entrevista inédita feita
com o Jerry Robinson, a qual não deve entrar nem nos extras do DVD (que
lançará em 2013, provavelmente na Comic Con de San Diego). Já o Bruno,
irmão do Shiko, contou os percalços para fazer o documentário Marginal,
que na verdade foi seu TCC do curso de Comunicação Social – teve que
pedir a câmera emprestada a um amigo e ainda precisou pagar um rapaz
para fazer a edição do mesmo. A curiosidade desse doc. é ver o nobre
Manassés ainda usando óculos de grau, bem como as páginas iniciais do
que viria a ser Blue Note, e saber que o roteirista Biu existe (não é
uma persona criada pelo Shiko, como algumas pessoas achavam).
Também houve uma porção de lançamentos bacanas e sessões de autógrafo, com presença do pernambucano Mascaro (lançando Ragu Cordel), do paulista Eduardo Schloesser (relançando a primeira edição do Zé Gatão), e os paraibanos Mike Deodato Jr. (A arte cartum de Mike Deodato), Ricardo Jaime (com a compilação das tiras do Espedito), Emir Ribeiro (40 anos de Velta), GG Carsan
(Tex no Brasil), e o pessoal do Coletivo WC (lançando Sanitário n° 1 e o
Igor Tadeu com One Hit Wonders); além disso, estava sendo lançamento
nacionalmente o sketchbook do genial Joe Bennet, com direito a capa dura e tudo.
Em
se tratando de oficinas, Manassés foi atrás da fina nata do quadrinho
paraibano (Paloma Diniz e Janúncio Neto, do Made in PB) e também
potiguar (Beto Potyguara, Giovana Leandro e Paulo Morais, Renato
Medeiros e Leander, esses dois últimos são do coletivo K-ótica).
Quem
não teve sossego durante o evento foi o simpático e zen Ricardo Jaime,
que estava cobrando cinco reais pelo desenho do rosto de qualquer
personagem, e dez reais pela silhueta integral. Faturou muito e
merecidamente. E ainda teve forças para às oito horas da noite do
domingo fazer um Gandalf soberbo para um fã da obra de Tolkien.
O
evento transcorreu na paz, apenas com algumas leves mudanças na
programação, como Mascaro, que precisou antecipar sua participação para o
sábado, desfalcando a mesa sobre produção independente no domingo. A
exibição do documentário Profissão Cartunista – Will Eisner foi
modificada e terminou ocorrendo no mesmo horário de Malditos
Cartunistas, o que forçou o público a escolher qual dos dois iria
assistir.
Com a chuva que caiu no
domingo, algumas pessoas optaram por aparecer apenas no final da tarde, o
que promoveu um esvaziamento em algumas salas e oficinas, mas nada que
fosse tão grave a ponto de não haver ninguém para uma determinada
atividade.
Uma surpresa boa foi a participação da Professora Vitória Lima, mãe de Thaïs Gualberto
(Coletivo WC). A Prof. Vitória esteve durante a tarde de domingo em
quase todas as atividades do evento, e fez questão de dizer que em suas
estantes sempre os quadrinhos tiveram vez, e que Thaïs cresceu tendo
essa grande proximidade com a nona arte.
No mais, ressalto a mediação dos jornalistas Renato Félix e Audaci Jr.
nas mesas-redondas, mostrando conhecimento profundo sobre cada
convidado e sabendo tirar deles depoimentos relevantes e lembranças
curiosas, levando os fãs ao deleite.
Em
sua primeira empreitada de fôlego – e mesmo com a limitação de ter que
fazer quase tudo sozinho -, Manassés provou que está mais do que
credenciado para produzir eventos de médio a grande porte.
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