sábado, 15 de dezembro de 2012

João de Calais: do cordel à literatura de quadrinhos

Cantam nautas choram flautas
Pelo mar e pelo mar
Uma sereia a cantar
Vela o Destino dos nautas.
(Augusto dos Anjos. Barcarola)

Cordel
Câmara Cascudo inclui este romance entre os “Cinco Livros do Povo”.
A história de João de Calais pertence ao ciclo de cordel denominado “morto agradecido”. Câmara Cascudo inclui este romance entre os “Cinco Livros do Povo”, juntamente com “Donzela Teodora”, “Imperatriz Porcina”, “Roberto do Diabo” e “Princesa Megalona”.


A origem de João de Calais é francesa. Atribui-se à Madeleine Angélique Poisson a autoria da história. Casando-se com um espanhol, a escritora passou a ser conhecida como Madame de Gómez. No Brasil, a história de João de Calais foi divulgada por Câmara Cascudo ( prosa) e pelos cordelistas (poesia).


Na década de 1990, a editora Scipione publicou oito contos tradicionais de literatura popular, reescritos e ilustrados por Ricardo Azevedo e Ciça Fittipladi. “João de Calais” integra essa coleção.


Em 2010, a editora FTD lançou “História do navegador João de Calais e de sua amada Constança”, versão de Arievaldo Viana. Os textos da Scipione eram em prosa, a nova edição da FTD alia o cordel (sextilhas) à literatura de quadrinhos.



Arievaldo Viana, conhecido cordelista cearense, criou o texto verbal e Jô Oliveira fez as ilustrações. Nos dados biográficos do cordelista e do ilustrador, aparecem essas informações: Arievaldo Viana nasceu em uma fazenda do Ceará nas proximidades de Quixeramobim e sua diversão de criança era ouvir a avó Alzira ler os folhetos de cordel. Jô Oliveira nasceu em Pernambuco, mas passou parte de sua infância em Campina Grande, Paraíba. Nos idos de 1950, envolveu-se com quadrinhos e cordel e esse gosto, adquirido na infância, perdura até hoje. Depois dessas informações, caminhemos em direção ao livro de Arievaldo Viana e Jô Oliveira.


Para escrever a história de João de Calais, Arievaldo partiu do texto em prosa apresentado por Câmara Cascudo e procurou uma maneira fácil de ser compreendido por leitores de “qualquer idade... dos oito aos 80 anos” (o cordel). Quando criança, teve contato com a versão de Severino Borges da Silva, uma edição da Luzeiro do Norte, folheteria de João José da Silva.
A história quadrinizada se inicia com invocação às musas e o poeta pede a proteção divina para falar sobre João de Calais. Embora o texto original tenha vindo da França, o cordelista prefere a pronúncia portuguesa – Calais e não Calé.
Dirigindo-se aos leitores, afirma que vai falar do amor de Constança e das batalhas de João. Dois motivos quase universais aparecem na história – “o morto agradecido” e a “esposa resgatada”.
No universo dos personagens, destacam-se: João de Calais, Constança e a prima Isabel, o pai de João de Calais, o rei de Palermo, pai de Constança, e o sobrinho do rei – Florimundo, “um jovem mau e egoísta/ sujeito péssimo e imundo” e um morto insepulto.
É uma história marcada por aventuras marítimas, pirataria, traições e ciúmes.
O traço vigoroso de Jô Oliveira captou os momentos de tensão e os personagens revelam aflição no olhar, medo diante das adversidades e assombro perante fatos estranhos. As cores fortes, com predomínio do amarelo e vermelho, condizem com o sol tropical do Nordeste.
Este folheto tem despertado a atenção dos estudiosos da literatura de cordel. A professora Neuma Fechine Borges, na década de 1970, analisou-o à luz da semiótica na sua dissertação de mestrado na Universidade Federal da Paraíba. O trabalho da professora Neuma Fechine foi apresentado em diversas cidades brasileiras, em Portugal e na França (Universidade de Poitiers).
Neuma Fechine não teve a oportunidade de conhecer a versão de Arievaldo Viana, partiu antes do tempo, mas, certamente, iria gostar de saber que o folheto de Severino Borges foi revisitado por um cordelista jovem que imprimiu uma nova feição à velha história de João de Calais.
Fonte: Vermelho

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