Por Thomaz Rocha - Quadrinhos em Questão
Semana passada, nas páginas de Batwoman, nós vimos o pedido de casamento da primeira personagem lésbica das “Duas Grandes” dos EUA a ter sua própria revista não classificada como “sugerida para leitores adultos”.
Antes disso, em meados de 2012, o personagem Estrela Polar da concorrente Marvel casou-se com seu namorado em uma edição comemorativa, no primeiro casamento gay das duas editoras.
São iniciativas importantes e que marcam uma mudança recente na legislação americana – que começamos a acompanhar aqui pelo Brasil também. São, porém, ainda muito incipientes. A Marvel, por exemplo, salvo engano, não possui nenhum personagem LGBT no “papel principal” de nenhuma revista atualmente – embora tenha pelo menos um casal homoafetivo proeminente atualmente: Wiccan e Hulkling, que fazem parte de Young Avengers.
A representação de diversas minorias nas HQ, aliás, segue problemática¹. Muitas vezes, para sanar o descompasso entre ficção e realidade, as editoras apelam para as versões alternativas, que não se passam na mesma versão da história que a dos personagens mais famosos e principais: a Marvel nos apresentou na última semana a um Wolverine gay e a DC, no ano passado, criou uma versão de seu universo no qual o Lanterna Verde é gay.
Ambos não interagem com os demais personagens famosos. Uma língua ferina poderia dizer que essas realidades alternativas poderiam ser encaradas como guetos da ficção nos quadrinhos, onde guardam-se as versões dos heróis em que as minorias são representadas.
Não serei ingênuo em dizer que os quadrinhos das “Duas Grandes” avançam muito com essa situação². Muitas vezes é uma história cheia de tropeços, nas quais relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo que demoram meses para serem estabelecidos são abruptamente interrompidos por uma mudança de corpo criativo.
De todo modo, gostaria de celebrar roteiristas, desenhistas e editores que colaboraram para reverter essa situação, mesmo que muitas vezes simplesmente por perceberem que há um mercado LGBT a ser explorado pelos quadrinhos e que esse mercado pode garantir o pagamento no fim do mês.
Mas ainda há muito a ser explorado, até porque gays e lésbicas não representam a totalidade do LGBT. Lord Fanny da série Invisible de Grant Morrison é um dos poucos exemplos de cross-dressing na história das HQ. Shining Knight da nova versão de Demon Knights da DC pósreboot é talvez o único exemplo transgênero.
Os artistas do mercado de quadrinhos de massa têm caminhado muito devagar nesse aspecto. É bom lembrar que Scott McCloud, em seu Revolucionando Quadrinhos, pontua que a diversidade de gêneros narrativos, de personagens representados e público atingido, de forma que os quadrinhos se tornassem mais próximos, como arte, do público com o qual lidam, eram revoluções necessárias para que os quadrinhos sobrevivessem como arte.
Conquistar o público LGBT não é algo que se deve fazer por favor, mas um compromisso do artista com sua sociedade, com o mundo para o qual dirige sua arte. É parte do processo, tão necessário, de fazer com que os quadrinhos se levem a sério, uma revolução que já está muito atrasada. Uma revolução que precisa sair do armário.
1É óbvio que a situação do mercado independente é totalmente diferente, com coletivos de criadores voltados diretamente ao público LGBT desde os anos 90, pelo menos. Mesmo no campo de ‘Super gente’, há iniciativas interessantes: recentemente, uma revista fez uma aproximação entre a cena indie, o gênero de super-heróis e produziu a HQ Spandex com um grupo formado apenas por personagens LGBT. Você pode encontrar uma crítica da HQ aqui: http://sequart.org/magazine/11797/the-year-in-comics-week-21-spandex-fast-and-hard-by-martin-eden/ .
2A presença de negros e de mulheres, tanto como profissionais como também na forma de personagens é ínfima no mercado de quadrinhos americano. Sites como women in refrigerators:http://lby3.com/wir/ e iniciativas como a editora Milestone, que nos anos 90 publicou material de artistas negros nos EUA através de uma parceria com a DC, tentaram e tentam combater essa situação atual, mas ainda estamos muito longe de uma situação igualitária.
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